Marina Manda Lembranças N a barraca do peixe, hora do almoço, o peixeiro prepara-se com visível prazer para abocanhar um espetinho. A...
Marina Manda Lembranças
Um peixeiro que ajuda a extinguir criaturas do mesmo mar de que tira seu sustento, não deixa de ser assustador. Assustados estamos todos, como prova a revista Times elegendo Greta , a “pirralha” Thunberg, personalidade do ano, definida como “principal voz do principal desafio que o planeta enfrenta”.
De nada adianta o comportamento de avestruz dos terraplanistas enfiando a cabeça na Idade Média, em completa negação das perturbações ambientais que nos ameaçam. A Conferência mundial sobre o clima fracassou, decisões importantíssimas foram deixadas para o próximo ano. E enquanto, atrelados a interesses econômicos, perdemos mais um ano precioso, alguns humanos se preparam para o desastre que parece inevitável.
Cerca de 13 mil americanos seguiram o exemplo de Peter Thiel, fundador de Pay-Pal, que em 2010 se naturalizou neo–zelandês e comprou duas enormes propriedades naquele país. Todos eles riquíssimos. Em fuga de Trump? Nem pensar. O que buscam é um lugar longínquo e tranquilo onde se abrigar quando o Armagedon chegar. Vi a imagem em 3D de um bunker a ser enterrado debaixo da cozinha clara e luxuosa das casas luxuosíssimas em que eles morarão. No bunker da foto, nem luminosidade nem luxo, um rack de fuzis, metralhadoras e pistolas presas nas paredes, penumbra. Imagino que a foto seja publicitária, prevendo o desejo dos futuros moradores. A empresa produtora afirma já ter vendido e instalado cerca de 40 bunkers desse tipo. E oferece um modelo novo, com piscina, sauna, sala de ginástica e camas para até 44 pessoas, por 8,3 milhões de dólares, sem instalação.
Sinais da ameaça não faltam. Ainda esta semana ouvi, de um jovem mergulhador bem entendido do assunto, que nas Ilhas Cagarras , santuário que todos os dias cumprimento do alto do meu terraço, as aves estão fazendo ninho com restos de plástico. Paralelamente, vi o anúncio de um casaco acolchoado feito de material reciclado, em que se especificava que para confeccioná-lo haviam sido utilizadas 40 garrafas Pet. Todos os dias, embora conscientes, nos vemos obrigados e jogar fora embalagens, tampas, resíduos de plástico que sufocarão algumas criaturas e farão ninho de outras. E que, no Brasil, não serão - ou o serão em parcela insignificante- reciclados.
No mundo já se multiplicam os que acreditam num colapso planetário provocado pelo aquecimento global, autodenominados “colapsólogos”.
Em 17 anos um terço dos pássaros desapareceu dos campos franceses, fenômeno já anunciado em 1962 pelo livro da bióloga americana Rachel Carson. Lendo isso, me lembrei daquela primavera adiantada em que estranhei a ausência, no céu de Roma, das andorinhas que na minha juventude faziam coreografias em bando. Disseram-me que não vinham porque não tinham mais o que comer, os insetos de que se alimentavam tendo sido eliminados pelos agrotóxicos despejados sobre as lavouras.
Há gente ensinando às crianças como se alimentar com ervas selvagens e como fazer fogo com quase nada. Há especialistas apostando na proteína de larvas e formigas.
Podemos crer que o colapso não virá se as grandes potências pensarem mais no planeta do que na manutenção de sua supremacia, e se cada cidadão agir conscientemente. Que esta seja a nossa meta mais absoluta. E nosso voto de Natal.