Marina Manda Lembranças O s brasileiros querem saber “como fazer que as pessoas gostem de mim” (sic). Mas só depois de saberem “como...
Marina Manda Lembranças
Foi esse o ranking das perguntas feitas ao Google. Tivesse a avaliação sido feita em outra época do ano, talvez a pergunta sobre apreciação dos outros tirasse o primeiro lugar, que desta vez coube a “como fazer a inscrição para o Enem 2019?”
Não chega a ser novidade. Ao longo dos séculos, os humanos desamparados precisados de amor como de leite materno, sempre quiseram saber como fazer os outros gostarem de si. Só não tinham a quem perguntar. Um místico ou um sacerdote, um velho sábio, podiam receber esta pergunta na semi escuridão dos lugares sagrados ou diante de um fogo aceso. E a resposta era trabalhosa.
Agora o trabalho cabe ao perguntador, obrigado a escolher entre os mais de 4,3 milhões de resultados fornecidos pelo Google, sábio dos sábios.
A questão principal é saber o que realmente se quer, já que sucesso e bem querer estão sendo muito confundidos, sobretudo pelos jovens.
Ter sucesso não é o mesmo que ser amado. Sucesso tornou-se uma questão numérica, que quantifica o apreço por uma imagem diligentemente construída. O número do apreço pode ser comprado, assim como se compram construtores de imagem.
O amor é mais restrito, mais ligado à nossa essência, ao que, de fato, somos. Quem nos ama, nos conhece intimamente. Quem nos segue só conhece a persona, ou o avatar, que projetamos.
Likes não são demonstrações de afeto. São testemunhos públicos de apreço e de concordância, que a qualquer momento podem trocar de endereço. O gostar é bem mais constante, gostamos de alguém apesar dos seus defeitos, que aceitamos. Só quando a soma dos defeitos supera a das virtudes, o gostar se rompe.
A coisa se complica porque os requisitos necessários para os outros gostarem de nós mudam à medida que mudam os costumes sociais. Lembro do meu pai ensinando meu irmão a ser bem avaliado como futuro homem: mão apertada com força, postura firme, olhos plantados no olhar do outro. Quando meu irmão chegou à idade adulta esses ditames já não vigoravam, e ele foi muito amado sendo hippie de longos cabelos e calças rasgadas, surfista e ator.
Talvez, a pergunta mais justa não seja “como fazer para que as pessoas gostem de mim”. E sim: ”que pessoas quero que gostem de mim”.
Para o afeto, não serve qualquer pessoa. “Pessoa” não pode ser usado como genérico, já que o bem querer não é transferível e tem endereço certo.
E, uma vez que o afeto pede retribuição, não podemos querer bem a pessoas sem rosto e de número indefinido. Nosso afeto não dá para tanto. Nem nossa atenção amorosa. O amor torna indispensável fechar o círculo.
Hoje as redes sociais abriram enormemente o círculo, em vez de fechá-lo. Ser amado confunde-se com ser aplaudido, ter seguidores e estar sempre presente. A imagem confunde-se com o eu, o que aumenta a insegurança e a dúvida sobre a própria identidade.
A viajar nas redes e coletar aplausos parece mais simples e mais garantido aprender a fazer ovos da Páscoa caseiros, atividade que assegura o apreço de quem recebe os ovos, e ainda pode render algum dinheiro.