Marina Manda Lembranças D omingo tivemos o belo artigo de Míriam Leitão, segunda foi a entrevista de Marco Lucchesi. Os dois fizeram ...
Marina Manda Lembranças
Diz Míriam que o que está acontecendo não é normal. E só posso concordar. Não é normal que o presidente de um país democrático hostilize constantemente a imprensa, ofenda jornalistas, chame de fakes notícias comprovadas. Não é normal um presidente se exibir dando banana para a imprensa, ou para qualquer pessoa. Banana é um gesto brutal, indigno, e espera-se de um presidente que respeite a dignidade do cargo. Não é normal um presidente tirar um prefeito para dançar em meio a um culto religioso. Não é normal Sergio Camargo ter sido reconduzido pelo STJ ao cargo que havia perdido por todas as atrocidades que disse. Não é normal, no século XXI, um ministério formado por 22 ministros ter só duas mulheres, uma delas sendo a inacreditável Damares. Não é normal a perseguição movida por esse governo contra os índios. Não é normal um governo ter idêntico ódio à ciência, à cultura, à arte e à inteligência. Não é normal o presidente de um país laico prestigiar representantes e cultos de uma única religião – que sequer é a dele. Nada disso pode ser considerado normalidade pelos que não perderam a bússola. E essa anomalia amarga nossos dias.
Marco Lucchesi, presidente da ABL, atêm-se à questão da leitura, acoplada às seguidas tentativas de censura de livros e histórias em quadrinhos. Censurar leitura é inaceitável, como ficou recentemente demonstrado. A grita por parte das instituições foi tão forte que os livros, muitos de autores clássicos, foram devolvidos ao seu antigo destino, as escolas. Não existe a possibilidade de um autor clássico ser inadequado.
Vale dizer que a literatura infantil sofre censura desde que, no século XVIII, se estabeleceu que leitura na infância serviria para educar; a partir daí, passou por censura ideológica, censura do politicamente correto, censura de temas e de vocabulário, até censura de imagens.
Não há, no atual governo, qualquer plano de leitura ou de expansão/dinamização de bibliotecas. O presidente que não lê, faz o contrário. Diminui pela metade um espaço para ele inútil, a Biblioteca da Presidência da República, a fim de abrigar o gabinete da esposa Michelle .
Diz Marco que “o Brasil deveria declarar estado de emergência na leitura”. Cada dia se faz mais urgente, mas deveria ter sido declarado há muito tempo. Temos cerca de seis mil bibliotecas no país. Lembro-me que, ao assumir em 1990 a Presidência da Fundação Biblioteca Nacional, então responsável pelas políticas de leitura, meu marido Affonso determinou como meta uma biblioteca em cada município. Não conseguiu. Houve prefeitos que pediram para trocar a biblioteca por dinheiro, e outros que arrumaram uma biblioteca fake só para fazer a inauguração ao lado de autoridades, depois do que os livros foram devolvidos às caixas de papelão e o espaço voltou a ser o que era antes.
Nessa situação é oportuno citar Doris Lessing: ”Vivemos numa época apavorante, em que é difícil considerar os seres humanos como dotados de razão. Em qualquer parte onde pousamos o olhar, vemos agir a violência e a estupidez, a tal ponto que nada mais parece existir fora dessa volta à barbárie que somos incapazes de conter.”