Marina Manda Lembranças C omo a totalidade dos brasileiros de boa índole, estou morrendo de vergonha. Vergonha pela alegria manifesta ...
Marina Manda Lembranças
Vergonha pela alegria manifesta de Jair Bolsonaro ao trocar um churrasco por um passeio de jet ski, levando de carona um segurança, ambos sem máscara, quando o país que ele deveria conduzir com um mínimo de respeito e seriedade chega a 11.000 mortos.
Vergonha pela ausência de qualquer comentário do Planalto em resposta ao documento de Sebastião Salgado e de sua mulher, a designer gráfica Lélia Wanick, em defesa dos povos indígenas. O documento, assinado por 50 personalidades mundiais do pensamento e das artes, e publicado nos principais jornais internacionais, acusa diretamente o Estado: “Os indígenas brasileiros tem sido vítimas de epidemias há mais de 500 anos. Mas agora se junta a essa ameaça o relaxamento da vigilância do Estado, as invasões de garimpeiros, madeireiros e fazendeiros ilegais e os incêndios criminosos, que aumentaram nas últimas semanas”. Nem assim o Estado se manifestou.
Vergonha ao tomar conhecimento de que, no Rio, mil e trezentos pacientes atingidos por covid19 esperam na fila por um leito. E que, das 12 unidades de hospitais de campanha previstas para o Estado do Rio, só três estão em funcionamento. Todos vimos na televisão como a China construiu em 10 dias imensos hospitais de campanha e logo os colocou em funcionamento. Nós tivemos mais de dois meses à disposição e, ainda assim, só temos 20% das vagas abertas. Hospital de campanha é para ser emergencial e aprontado rapidamente. Melhor que Estado e Prefeitura fez a iniciativa privada no hospital do Parque dos Atletas e no Lagoa-Barra.
Vergonha por ser Ernesto Araújo nosso Ministro das Relações Exteriores. Por sua gargalhada na reunião do dia 22 de abril ao forjar um trocadilho insultuoso contra a China, grande parceiro comercial do Brasil. E por sua reação absurda e inoportuna ao documento sobre a atual política externa brasileira, encabeçado pelo ex-presidente e ex-chanceler Fernando Henrique Cardoso e assinado pelos nomes mais importantes da diplomacia brasileira. Ao contrário do que Araújo afirma, nenhum deles “precisa vir aprender conosco como se defende a Constituição”, porque a Constituição não se defende participando de demonstrações contra o Supremo e contra o Congresso nem pedindo a volta da ditadura.
Vergonha pelo Ministro da Saúde, Nelson Teich, há quase quatro semanas no cargo em meio à maior pandemia dos últimos cem anos, apresentar um plano que não terá apoio das Secretarias de Saúde, e apresentar-se a uma entrevista sem saber que o presidente havia, no mesmo dia e sem consulta-lo, incluído mais duas categorias nos serviços essenciais.
Nem falo de vergonha pela entrevista de Regina Duarte na CNN. Diante do seu silêncio e inoperância desde que assumiu o cargo de Secretária da Cultura, ninguém esperava que tivesse um surto de consciência. E sabemos que foi posta ali pelo presidente justamente para isso, para não ser e não fazer.
Vergonha pela desobediência social brasileira, embora essa tenha antigas e enraizadas razões que a justificam. Um povo, há séculos abandonado a si mesmo, não tem porque respeitar recomendações advindas de um governo que o considera “invisível”. E o presidente eleito é o primeiro a dar o exemplo, desobedecendo ordens dos organismos internacionais de saúde, alegando como um gabola a “gripezinha”.
Vergonha, quanta vergonha!, pela imagem que o Brasil está projetando ao resto do mundo, num momento em que, mais que nunca, se exigem dos líderes seriedade e respeito ao cargo, para proteção das populações.