Marina Manda Lembranças E nchemos a boca com orgulho para classificar nossa era como a da comunicação. Mais justo seria dizer, “era da...
Marina Manda Lembranças
Comunicação sempre houve. Leio em Lévi-Strauss que “os antigos gregos localizavam na Phrygia – portanto na Ásia – o reino de Midas a quem cresceram orelhas de burro”. Mas a mesma história mítica era repetida no Tibete, na Mongólia, na Coreia, e no Japão, onde um texto do século XI – ou XII – lhe faz referência.
A comunicação viajava a lombo de camelo, a cavalo, levada por viajantes ou nos breviários dos missionários, carregada por piratas e bandidos, viajava de velas enfunadas ou pendentes, viajava muito lentamente, mas viajava.
Leio do mesmo autor que, durante uma visita ao Japão, ouviu um cântico ritual que lhe era traduzido paralelamente. E surpreendeu-se ao reconhecer uma história narrada pelo grego Heródoto, que a localizava na Lídia.
A lentidão, que agora nos parece tanta, não deixava de ter suas vantagens. Funcionava como filtro, selecionando fatos, histórias ou comportamentos que tinham conteúdo válido para diversas culturas. E as adaptava.
Tabari, historiador e teólogo persa – nos diz o pensador italiano Pietro Citati – nasceu por volta de 839 e passou a juventude viajando com um propósito determinado. Foi ao Egito, Síria, Iraque e parou em Bagdad para começar a escrever “As notícias dos profetas e dos reis” onde pretendia contar não só a história do mundo, como as tradições todas que havia recolhido em suas viagens. Escreveu 120 volumes antes de morrer. Esse conjunto precioso se perdeu mas, antes que desaparecesse, um anônimo o reduziu a 12 volumes. Que, 40 anos depois da morte de Tabari, foram traduzidos para o persa. E, de século em século, chegaram até nós.
Assim, com precisa lentidão as informações viajavam e, a cada século, verificava-se a sua veracidade!
Hoje escrevo com o celular ao lado do teclado, porque não posso perder os chamados que chegam pelo WhatsApp e pelo e-mail, não posso perder migalha alguma da grande torta de informações, já li o jornal praticamente todo e, quando abri o Uol recebi notícias mais frescas, que acessei. Nem por isso estou bem informada! O total é tsunami de que uma só mente humana não consegue mais dar conta. Muitos, tomados de delírio informativo, estão soçobrando, náufragos sem colete salva-vidas, incapacitados de abraçar o mar todo que os rodeia.
Impossível, a quem não é especialista – e por vezes a quem o é – distinguir o que é fato do que é mentira criada com outros fins. Não bastasse a quantidade assombrosa de informação, somos bombardeados com fake-news disparadas, com velocidade de metralhadora, por robôs.
O filtro não sumiu. Foi substituído por sistemas legais, por organizações de controle, pelos próprios meios de locomoção das informações verdadeiras e falsas. Mas a filtragem tem se demonstrado mais lenta que os disparos. E bem menos invasiva.
As notícias chegam ao celular como se ditas diretamente ao ouvido, e impregnam. Some-se a isso o frenesi de replicar. Não é um frenesi aleatório; ao replicar estamos fazendo ouvir nossa voz, estamos demonstrando nosso pertencimento a uma tribo, estamos demonstrando um conhecimento que na verdade não temos, estamos dando presença em um mundo que tão frequentemente a nega.
Os criadores de fake-news, manipuladores profissionais e mal intencionados, sabem disso, e os que os financiam, também. Mas a sociedade tem o escudo da lei. E conta com ela para se proteger.