Marina Manda Lembranças H oje, em meio a tantas ameaças e a tanto sofrimento que nosso desgovernante ignora, escolho falar de delicadez...
Marina Manda Lembranças
Recebi um poema do poeta americano Roger Keyes, também historiador da arte, curador em arte japonesa. Um belíssimo poema posto em foco pela pandemia. Título, “Hokusai says”.
Katsushika Hokusai é o pintor do quadro mais famoso da arte japonesa,
“A Grande Onda de Kanagawa”. Dele se diz, mas pode ser uma lenda porque aconteceu no século XIX, que aos 50 anos fez uma peregrinação ao templo budista de Yanagishima para fazer oferendas e pedir a Buda que o tornasse um grande artista. Ia no caminho da volta, quando desabou uma tempestade e o já mestre foi colhido por um raio. Sobreviveu. Buda não precisava ter sido tão veemente, mas atendeu seu pedido.
Tento traduzir parte do poema de Keyes:
Hokusai diz olhe com cuidado.
Ele diz preste atenção, repare.
Ele diz continue olhando, mantenha-se curioso.
Ele diz não há fim para o olhar.
Adiante, Keys escreve:
Ele diz que tudo está vivo –
conchas, prédios, pessoas, peixes,
montanhas, árvores, madeira está viva.
Água está viva.
Tudo tem sua própria vida.
Tudo vive dentro de nós.
Ele diz viva com o mundo dentro de você.
O poeta fez uma plena leitura da obra do pintor, rica em detalhes, debruçada sobre natureza e vida. O próprio Hokusai escreveu: “Desde os seis anos tive paixão por copiar a forma das coisas e a partir dos 50 publiquei muitas gravuras, entretanto de tudo o que eu desenhei até os 70 não há nada que mereça atenção. Aos 73 havia parcialmente compreendido a estrutura dos animais, pássaros, insetos e peixes, e a vida das gramíneas e das plantas. Sendo assim, aos 86 terei progredido, aos 90 terei penetrado mais fundo no seu significado secreto, e aos 100 terei talvez alcançado o nível do maravilhoso e do divino. Quando eu tiver 110, cada ponto, cada linha possuirá vida própria”.
O poema me chegou enquanto lia “A dama que amava os insetos e outros contos do antigo Japão”. Coincidências não existem, sabemos todos. Eu estava em busca de delicadeza e a encontrei duplamente.
Semelhante à dama que amava os insetos, livro de contos mais antigo do Japão e dos mais antigos do mundo, tenho me dedicado a salvar vidas de formigas. Impressiona como essas criaturas minúsculas, grãos de poeira sobre a louça branca, se colocam em risco na pia do banheiro e na cozinha onde a água pode atingi-las.
Mas, ao contrário de Hokusai, nem chegando aos 100 anos eu alcançaria o nível do maravilhoso e do divino.
O poema me chegou enquanto lia “A dama que amava os insetos e outros contos do antigo Japão”. Coincidências não existem, sabemos todos. Eu estava em busca de delicadeza e a encontrei duplamente.
Semelhante à dama que amava os insetos, livro de contos mais antigo do Japão e dos mais antigos do mundo, tenho me dedicado a salvar vidas de formigas. Impressiona como essas criaturas minúsculas, grãos de poeira sobre a louça branca, se colocam em risco na pia do banheiro e na cozinha onde a água pode atingi-las.
Mas, ao contrário de Hokusai, nem chegando aos 100 anos eu alcançaria o nível do maravilhoso e do divino.