Marina Manda Lembranças E screvo na segunda, dia do amigo! Antecipando a data, dois amigos especialmente queridos me mandaram de prese...
Marina Manda Lembranças
Antecipando a data, dois amigos especialmente queridos me mandaram de presente duas orquídeas raras, uma Pleurothallis que cresce e dá flores de cabeça para baixo, e uma Arpophillum que dá flores em cacho, entre pink e lilás. Plantei ambas obedecendo meticulosas instruções, e a ambas dei apelido como forma de estabelecer logo intimidade. A Arpophillum chamarei doravante Arpoador, primeira praia a que fui apresentada chegando ao Rio e para sempre minha favorita. A Pleurothallis me parece mais próxima da minha pessoa, seja pelo nome, que limitarei a Pleura já que tantas vezes tive problemas pleurais, seja pela posição, pois outras tantas me sinto como se estivesse de ponta cabeça, sobretudo em tempos de floração.
Antes que o dia acabe, e com ele a festividade, sem dúvida escreverei para minha amiga italiana. Mora em Bologna, mas fomos amigas de infância numa cidadezinha de veraneio e pescadores na costa Adriática, nos dois anos após a guerra. Ela tinha um villa entre pinheiros, de nome igual ao meu, Marina, um baú com fantasias, e uma horta no jardim com uma figueira de figos dulcíssimos. Depois vim para o Brasil e nos perdemos. Até ela me achar pela internet quando já éramos mães de filhos adultos, e me escrever perguntando se eu era eu. Era. Agora, nas raras vezes em que vou a Bologna para a Feria del Libro per Ragazzi, (feira do livro infanto juvenil) janto na casa dela com algum amigo e os cães, ela manda fazer para mim comidas que comíamos na villa, e da última vez fomos a um concerto. Antes de ir me deu de presente uma dupla moldura com dois retratos, um meu sozinha de pé sobre um barco de pesca, outro de nós duas sentadas debaixo da figueira. Eu devia ter uns oito anos, elas três anos menos, mas sentadas na grama, de mãos dadas, parecemos tão pequenas! Iríamos nos ver novamente em 2020, porque eu estava escalada para ir à Feria. Mas a pandemia deu um golpe de vassoura em nossos planos, varrendo-os para onde e quando não sabemos.
Tive três amigos suicidas, pensarei neles com ternura antes de adormecer. Todos foram meus confidentes e frequentaram minha casa. Um vinha ler jornal comigo nas manhãs de domingo, outro entrava mesmo se eu não estivesse e o encontrava chegando do trabalho, o terceiro era um tanto mais formal. Aos três emprestei o ombro para que se lamentassem na hora da necessidade. Só não os pude socorrer quando mais precisavam de mim. O primeiro se matou com um tiro, a última visão que tenho dele é com uma fina atadura ao redor da testa. Outro se matou com gás, e deixou um bilhete para prevenir explosões. O terceiro se matou com remédios, provavelmente achando que se matava por amor. Os três estavam em depressão profunda, e para cada um o disparador da depressão fora diferente.
Ao longo de 15 anos, minha cachorrinha foi amiga muito doce e dedicada. Pixie era o nome, porque assim se chamam os duendes dos bosques do Yorkshire, e ela pertencia à raça do mesmo nome, sendo pequena como um duende. Morreu faz muito tempo, e ainda não tirei a caminha dela do meu quarto. Gosto de pensar que à noite, enquanto durmo, ela vem se deitar perto da minha cama. Mas a verdade é que a caminha me ajuda a lembra-la, e manter viva a lembrança do outro é obrigação de quem foi muito amado. Não quero esquecer ninguém que me tenha dado amor, mas permitirei que os outros me esqueçam quando eu me for — embora, sendo escritora, trabalho para que isso não aconteça.