Marina Manda Lembranças T oda mulher tem um batom e toda mulher carrega o batom na bolsa, quando não no bolso. Por isso a campanha “Sinal Ve...
Marina Manda Lembranças
Vários fatores trazidos pela pandemia aumentaram os desentendimentos familiares no mundo todo. Muitos pais não estavam acostumados a passar o dia inteiro, durante meses, com os filhos. Muitos casais não haviam experimentado convivência tão estrita e tão longa. O dinheiro frequentemente está curto, alguém na família está desempregado, há que fazer comida para um bando de gente e os gêneros podem estar faltando. Para não falar da pobreza extrema, que tudo agrava.
Mas no Brasil fomos além. Segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) levantados junto aos órgãos de segurança dos estados, este ano o feminicídio aumentou 22% em 12 estados. No Acre houve um aumento de 300%, o Pará registrou 100% de aumento, e em São Paulo se mataram 41,4% mais mulheres do que já se matavam. Só os estados do Rio, Minas Gerais e Espírito Santo podem se orgulhar de ter baixado a taxa de mulheres assassinadas.
No ano passado a França horrorizou-se porque 150 mulheres foram mortas por seus companheiros. Aqui foram 1314, um aumento de 7,3% em relação ao ano anterior. Certo, temos uma imensa diferença populacional. Mas a cada 7 horas, no nosso país, uma mulher tomba, vítima do homem que dizia amá-la.
Não existe isso de matar por amor. O feminicídio acontece para afirmar a posse de um ser humano sobre outro, seu domínio. É um crime de territorialidade, corpo e alma da mulher sendo o território conquistado que não se pode perder. É o crime em que o homem se afirma ao deletar a vida da mulher.
Em 15 de janeiro deste ano, Jair Bolsonaro assinou um decreto que torna mais fácil a posse de armas. Não é difícil prever o risco maior que as mulheres correm em sua própria casa, sobretudo quando a quiserem deixar. “A casa é o lugar mais perigoso para mulheres e meninas” afirmou Juliana Martins, coordenadora institucional do FBSP, e não se referia apenas a feminicídio, mas a estupro.
Gostamos tanto de quebrar recordes! Pois somos o 5º país do mundo em assassinatos de mulheres. Não sei aonde estamos em relação à França, mas matamos 48 vezes mais que o Reino Unido, 24 vezes mais que a Dinamarca, e 16 vezes mais que o Japão ou a Escócia. Com a ajuda da pandemia e do momento eminentemente machista que atravessamos, ainda mais tendo armas à mão, é provável que avancemos no ranking.
Ao mesmo tempo que a pandemia aumenta a violência contra a mulher, entretanto, aumenta a visibilidade de mulheres segurando as rédeas do mundo.
A todo momento mulheres de ponta, infectologistas, cientistas, pesquisadoras, juristas, economistas, médicas, lideres de entidades internacionais e de grandes empresas estão sendo convocadas para dar depoimentos na televisão e na imprensa. E a voz delas tem peso igual ao das vozes masculinas. Na minha geração as mulheres que tinham voz audível se contavam na ponta dos dedos. Até Simone de Beauvoir foi contestada por seus pares masculinos ao publicar “O segundo sexo”.
Uma geração parece tão pouco tempo para mudança tão grande. Mas as mulheres começaram a levantar a voz muito antes, embora tivessem que pagar por isso.