Marina Manda Lembranças A França foi às ruas nas maiores cidades do país, manifestar-se contra a barbárie. No caso, a decapitação do profes...
Marina Manda Lembranças
Marina Manda Lembranças
Mas a palavra barbárie me obriga a parar. A refletir. E a encarar seus múltiplos desdobramentos.
Barbárie é também, no Brasil, a cada dez minutos uma pessoa perder a vida, vítima de assassinato, segundo dados divulgados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. A cada 100 mil pessoas, 30,3 morrem de morte violenta intencional. A taxa é das mais altas do mundo. E a cada 100 mortes violentas, 13 são cometidas por policiais. Há que reconhecer que o número de policiais mortos também é consistente, o que só acrescenta mais barbárie.
Barbárie pode ser chamada a morte de tantos jovens e crianças atingidos em sua própria casa, ou fora dela, por balas perdidas. Sem que jamais se saiba de que arma partiu o tiro que os vitimou.
Não deveria nos surpreender quando sabemos que, na cidade mais famosa e mais louvada do país, só 1,9% da área não tem presença de organizações criminosas. O resto do Rio está invadido por traficantes e milícias, estas últimas ocupando um território quatro vezes maior do que o dominado pelos traficantes. A disputa entre grupos diferentes e entre milícia e traficantes por mais um pedaço de chão e de lucro afeta, como uma guerra sem trégua, 52 bairros, e compromete a vida de 4,4 milhões de moradores da Região Metropolitana. E agora temos nova variante, a narcomilícia.
Barbárie é a cada duas horas uma mulher ser morta por feminicídio.
Barbárie é apenas 38% do esgoto ser tratado, enquanto o resto é entregue à natureza assim como produzido. E a metade dos municípios não controlar a qualidade da água, tantas vezes poluída pelos restos humanos lançados nos rios in natura.
Barbárie são os seguidos escândalos de apropriação indébita de dinheiro que havia sido destinado à pandemia. Como o mais recente (mas entre o espaço em que escrevo e a publicação no site pode acontecer mais um) envolvendo a cúpula do governo do Amazonas, que através de licitações fraudadas encomendou respiradores a uma loja de vinhos, que os encomendou a outra empresa, que os superfaturou, gerando um lucro de dezenas de milhões para a quadrilha que, supostamente, deveria zelar pelos interesses da população. Apropriação do dinheiro público em pandemia equivale a assassinato. E assassinato a sangue frio é a mais pura barbárie.
Ponho na categoria de barbárie um senador da República, Vice-Líder do Governo, ex-governador de Roraima, ser pego com maços de dinheiro entre as nádegas, e alegar que era dinheiro lícito destinado ao pagamento de seus funcionários. Triste destino do lobo guará. Na mesma categoria vai o quase silêncio do presidente do senado, Davi Alcolumbre, e o intenso trabalho de costura corporativa realizado para proteger Chico Rodrigues, trabalho de costura que teve como liderança o presidente do Conselho de Ética do Senado que, em tese, e só em tese, deveria comandar o julgamento sobre o comportamento ético do parlamentar. Para serenidade de todos, Chico Rodrigues pediu licença de 121 dias. Quando não terá direito ao salário mas receberá todos os penduricalhos do cargo, que não são poucos. E será substituído pelo suplente, seu próprio filho, garantindo que tudo continuará exatamente como antes.
A barbárie reinante envergonha as pessoas de bem deste país. Mas não chega a leva-las para as ruas.