Marina Manda Lembranças T odo dia, do alto do meu terraço, estudo o mar. Hoje – quando escrevo – o vento subitamente mudou de direção e most...
Marina Manda Lembranças
Marina Manda Lembranças
Todo dia rego o jardim do meu terraço, e arranco daninhas. É tempo de floração das phalenopsis. Eu observo com ternura de mãe o tentáculo que vai ficando pesado de brotos, molho as folhas – só as folhas porque orquídeas não gostam de água nas raízes – e espero a chegada das flores.
Quem gosta da natureza e por ela se inquieta pergunta-se porque nosso presidente e nosso vice não gostam. Atribuir o fogo que se alastra no Pantanal e devora matas a “uma campanha brutal de desinformação” é forma de não gostar. E atribuí-lo a índios e ribeirinhos – justamente os que mais precisam conservar a natureza, pois vivem dela – em vez de apontar os verdadeiros responsáveis, é também flagrante forma de não gostar.
Estamos indo na contramão do mundo.
O deputado europeu Yannick Jadot, ecologista, declarou recentemente: “A urgência climática acentuou-se. Conhecemos a canícula, as secas, os picos de poluição, o desaparecimento das espécies... Há uma tomada de consciência, uma mobilização da sociedade: estou pensando na juventude que marcha em favor do clima, mas também nos assalariados, nos chefes de empresa. Para muitos de nós (...) a ecologia tornou-se uma prioridade porque determina um futuro favorável.”
E Jadot nem mora no Brasil. Ontem, no interior de São Paulo, foi registrada temperatura de 45º com sensação térmica de 50º. Isso é que é canícula!
Sempre ouvi dizer que o Brasil tinha o maior lençol freático do mundo. Pois o Rio Paraguai, responsável pela vida do Pantanal e pela sobrevivência das aves que ali vão acasalar, está agonizando. Várias cidades do estado de São Paulo estão impondo corte de água do meio dia às dez da noite, ou seja, no horário tradicional do banho não haverá chuveiro possível. E muitas nascentes secaram. Pergunto-me se, por utilização perversa da natureza, nosso lençol freático deixou de ser o maior do mundo.
Vi um documentário sobre Marte. Diz a ciência que, há bilhões de anos, houve água em abundância, e o documentário mostra como pode ter sido o planeta vermelho, com cachoeiras como as de Iguaçu, e lagos e mares. Pensei que no futuro seremos como Marte, sem uma gota de água que se veja, devastado por tempestades de poeira que podem durar meses.
No entanto, é Marte que cobiçamos como alternativa possível quando as mudanças climáticas e a superpovoação tornarem a vida na Terra insuportável. E hoje parece certo que não levaremos bilhões de anos.
Cientistas brasileiros e britânicos acabam de descobrir que o ritmo do desmatamento supera fartamente o da recuperação. E tomei conhecimento de que existe até mesmo um Arco do Desmatamento, na fronteira do Mato Grosso com o Pará, onde arbustos são derrubados para ceder lugar às pastagens. De nada parece adiantar o governo do capitão saber que a mudança climática e as ondas de calor impostas por ela estão melando nossa economia e nossa sobrevivência. O calor mata mais que o frio, no calor os animais produzem menos, os filhotes morrem mais, e a maioria dos humanos passa mal em temperaturas acima de 44º. E não é com negacionismo que se minimiza o calor. É com sobra de floresta.