Marina Manda Lembranças L amento desdizer meus colegas, mas não é surfando “na explosão de Fake News”, conforme noticiado no domingo, que “...
Marina Manda Lembranças
Marina Manda Lembranças
Pinóquio está em alta desde seu nascimento, em 1881, por obra de Carlo Collodi atendendo a uma solicitação do editor do Giornale Per i Bambini.
E a característica principal da marionete que evolui até tornar-se menino, não é a mentira. É a miséria. A miséria está na origem de todas as suas aventuras e o levará a mentir.
Deve-se muito mais a fama do crescimento do nariz à correlação com o símbolo fálico do que à sua importância no percurso do herói. O nariz só cresce no capítulo 17. E já no primeiro parágrafo do capítulo seguinte é resolvido pela Fada dos Cabelos Azuis, que bate palmas convocando mais de mil pica paus a pousarem no nariz de madeira e a bica-lo, reduzindo-o “em poucos minutos” ao tamanho normal.
Só volta a crescer, “mais de um palmo” no capítulo 29, mas diminui na linha seguinte, assim que Pinóquio conta a verdade. E dali pra frente, nunca mais.
É uma personagem paupérrima. Seu pai, Gepeto, mora num quartinho onde a luz chega através de um vão debaixo de uma escada. Só há, no quartinho “uma cadeira bem ruinzinha, uma cama nada boa e uma mesa em péssimo estado”. A lareira é pintada na parede, assim como a panela acima do fogo e a fumaça que dela sai. Quando Pinóquio procura comida só encontra um ovo e quando o quebra, depois de muito pensar em como cozinha-lo, sai de dentro um pinto que agradece por sua liberação.
A mentira que faz crescer o nariz é provocada pelo desejo de proteger as quatro moedas de ouro que o titereteiro Tragafogo lhe havia dado. E é para multiplica-las que se deixa enganar pela Raposa e o Gato. Motivos muito justos para quem veio à luz sem ter o que comer.
Nem é, em absoluto, uma personagem egoísta. Tem empatia e compaixão. Pede perdão para seu colega Arlequim que vai ser atirado ao fogo e se oferece para ser queimado em seu lugar; é o único que fica quando um companheiro de escola é atingido na têmpora por um livro; e ao ganhar as moedas pensa, em primeiro lugar, em comprar um capote para o pai “todo de ouro e prata e com botões de brilhantes”. Não só, como arrisca a vida para salvar o pai que foi engolido por um terrível tubarão.
Tampouco foi popularizado pelo desenho de Disney. O estúdio Disney nunca deu ponto sem nó. Escolheu a história da marionete porque já era enormemente popular, e a traiu em muitos pontos. Transformou o menino toscano — tão pobre que para vesti-lo o pai teve que fazer uma roupa de papel, sapatos de casca de árvore e chapéu moldado em miolo de pão — em um tirolês bem vestido, bem calçado, com farto laço sobre a gola, e chapéu de pluma. Transformou a Fada dos Cabelos Azuis em mais uma americana loura. E, pior, transformou o tubarão feroz em baleia meiga, anulando com isso o risco enfrentado por Pinóquio para salvar o pai, risco que marca o começo da sua redenção.
Ano passado, Matteo Garrone fez da história de Pinóquio um novo filme. Vi uma entrevista dele. Dizia ter sido surpreendido pela quantidade de coisas que acontecem no livro e pela multidão de personagens, o que a maioria das pessoas desconhece. E declarava ter se esforçado para ser o mais fiel possível à Collodi, na construção de uma história eminentemente italiana. Sorrindo, apresentou um storyboard do filme, emoldurado, série de desenhos feitos por ele aos seis anos de idade depois de ler o livro pela primeira vez.
O filme deve estrear no Brasil no dia 26 de novembro. E traz uma delícia suplementar, Roberto Benigni no papel de Gepeto.