Marina Manda Lembranças O lho da minha varanda e vejo a grande torre do elevador enferrujando lentamente, enquanto pessoas sobem e descem c...
Marina Manda Lembranças
No entanto, antes do elevador parar, quantas pessoas eu via andando pela passarela que liga uma torre à outra no Complexo Rubem Braga, dando acesso ao alto do morro do Cantagalo. E quantas subiam ao mirante para ter uma visão completa de Ipanema, do oceano, das ilhas, até Copacabana.
A ferrugem que está comendo a estrutura antes em tons de azul e verde, é o símbolo de um Brasil que se arrasta desde a chegada de D. João VI ou desde a descoberta.
Acabei de ler o livro de Eduardo Bueno, o Peninha, “Dicionário da independência” ilustrado magistralmente por Paula Taitelbaum. São 200 anos de história em 200 verbetes. Nele constatei que a coisa pública nunca foi considerada pública, ou seja comum a todos, mas alheia e como tal, disponível a quem tivesse mão mais esperta.
O barbeiro de D. João nomeado chefe da despensa real roubou tanto que mandou recolher todos os frangos do Rio de Janeiro para vende-los no mercado lateral por preço mais alto. Castigo nenhum. Ao contrário, promoção. Plácido, este o nome do indigitado, foi nomeado por D. Pedro mordomo, tesoureiro da Casa Imperial, diretor das cozinhas e responsável pelas obras da corte.
Logo após o grito “Independência ou morte!”, pensou-se em criar um monumento no local onde D. Pedro o havia proferido. A ideia permaneceu vaga até a geração seguinte, com D. Pedro II. “O projeto- escreve Peninha- foi marcado por dúvidas, dívidas, percalços e desvio de verbas”. Só seria concluído na República.
O desvio de verbas é praga mais renitente que a febre amarela ou a varíola. E se aninhou confortavelmente em nossa pátria amada. Não há obra pública que não sofra deste mal e, em plena pandemia, quantos desvios de verba na área da saúde, desvios que teriam ajudado a salvar vidas!
No último domingo todos vimos no Fantástico o furto de uma serpente marinha de bronze, que media 20 metros. A obra, com mais 89 esculturas foi doada por Francisco Brennand a Recife, para comemorar os 500 anos do Brasil. Mas, assim como há 500 anos o Brasil não cuida do que é seu, Recife não cuidou do seu ponto turístico mais importante, bem diante do Marco Zero. E não foi por falta de aviso. Aos poucos as 90 peças foram sendo carregadas, apesar do peso. Atobás, pelicanos, ovos desapareciam sem que se instalassem câmeras, sem que se pusesse vigilância, sem que a prefeitura ou qualquer órgão encarregado do patrimônio se desse conta.
No Rio roubam-se tampas de bueiros. Tanto vale roubar obras de arte, se a vigilância é a mesma: nenhuma. E nem foram roubadas para revenda a colecionadores, como acontecia na Itália e na Grécia. Tiveram o mesmo fim dos bueiros, derretidas para obter metal, anuladas.
Como escreve Heloisa Starling no livro “Ser republicano no Brasil colônia” :”A Corte simplesmente fechava os olhos às falcatruas cometidas por seus agentes, desde que não atentassem contra as receitas régias, e de preferência praticassem a gatunagem de maneira discreta, através de testas de ferro”. Os testas de ferro mudaram de nome, passaram a se chamar “laranjas”, a discrição foi para o espaço, mas o sistema segue sendo o mesmo desde os tempos da Coroa, enquanto pessoas sobem e descem centenas de degraus.
Ilustração: Paula Taitelbaum