Marina Manda Lembranças Q uando criança, durante a Segunda Guerra, moramos longamente em hotel, portanto sem nenhuma possibilidade de comemo...
Marina Manda Lembranças
Os italianos são mais de presépio do que de árvore. Na minha infância – coisa que provavelmente mudou, ao sabor da universalização dos costumes – quem trazia os presentes não era nenhum Papai Noel, personagem nórdico com suas renas. Era uma velha senhora chamada Befana, mais parecida com uma bruxa que, montada numa vassoura descia pelas chaminés, e deixava presentes para as crianças que haviam se comportado bem e pedaços de carvão para as outras. As confeitarias vendiam carvão doce, que nem bala. E a Befana não vinha no Natal, mas no Dia de Reis.
O Natal era só para comemorar a chegada do Menino.
Todas as igrejas montam seu presépio. Em Roma havia cerca de 360 igrejas, das quais muitas estão agora fechadas por falta de vocação sacerdotal. E nos dois anos em que morei com minha avó antes de vir para o Brasil, era parte do programa de dezembro ela me levar para visitar as igrejas com seus presépios.
Os mais bonitos eram os napolitanos. O auge do presépio napolitano se deu no século XVIII, quando artistas eram convidados a modelar as cabeças, e só as cabeças, em terracota. As mãos e pés eram entregues a pessoas especializadas, as freiras cuidavam dos trajes, e houve até um especialista em cestos de frutas de cera, de nome Luigi Ardia. Convidavam-se arquitetos, artesão especializados em instrumentos musicais, ourives. O presépio foi acrescido de elementos paisagísticos, transbordou para cenas da vida popular e profana, ganhou tabernas, pessoas sentadas às mesas, ganhou lojas de comida, escadas, e imitando a geografia local, foi subindo encostas.
Comprei uma dessa figurinhas napolitanas num mercado de pulgas. Mas apesar de conservada debaixo de uma redoma de vidro, a seda azul do manto já se desfez há algum tempo. E não ouso tirar a dama debaixo da redoma, temendo que se esboroe em minhas mãos.
Fiel a minhas origens, todo ano monto o presépio e, como naquele dia tão distante e tão vivo na memória, busco o musgo para forrá-lo.
Tenho um presépio comprado em Aix-en-Provence, os famosos “santons”, que reúnem figuras improváveis em outros presépios, como o prefeito pançudo com o ventre atravessado pela faixa tricolor, e a moça lavando roupa na beira de rio ou lago.
Assim mesmo, um ano resolvi fazer o meu próprio presépio de figurinhas minúsculas modeladas em miolo de pão umedecido. O berço do Menino, forrado de talos de capim seco, fiz com palitos de fósforos. Dispensei o prefeito mas mantive a lavadeira. E, em homenagem a São Francisco, considerado o “inventor” do presépio e certamente o primeiro a representar Nossa Senhora ajoelhada junto ao Menino, fiz um lobo convivendo pacífico com os carneiros.
Modelei as figurinhas, esperei secarem, as pintei com guache, e arrumei o pequeníssimo presépio sobre a prateleira acima da lareira da casa de montanha, sem esquecer o riachinho de papel prateado.
Mas tanto empenho na celebração, só durou um ano. Havia modelado pão, alimento sagrado para humanos e insetos. E insetos fizeram de minhas figurinhas, panettone.