Marina Manda Lembranças P arece difícil de acreditar, mas na França médicos ainda emitem “certificados de virgindade”. Macron insurgiu-se: “...
Marina Manda Lembranças
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O governo quer proibir legalmente a emissão dessas “garantias”, o que levaria à punição dos médicos que as emitem, e a uma quebra de sigilo do consultório médico. Levaria também, de forma inevitável, ao aparecimento de consultórios clandestinos, onde falsos médicos ou parteiras assinariam os mesmos certificados.
As solicitações são pouco frequentes, feitas por famílias prevalentemente muçulmanas mas também famílias observantes católicas, evangélicas ou judias. E os médicos assinam os atestados sem nem realizar qualquer exame, só para proteger as moças dos castigos em que incorreriam em sua família ou comunidade.
Impossível não lembrar da exibição do lenço branco manchado de sangue, ao amanhecer da noite de núpcias. Como se sangue não pudesse ser colhido em qualquer corte, até mesmo do dedo do noivo. Melhor se manchado abundantemente, quase uma menstruação, quando sabe-se que a ruptura do hímen pode não render mais que uma gota. E às vezes, sangue nenhum.
Exigir virgindade no século XXI parece tão descabido! Sobretudo na França, que já nos anos 20 do século passado era bem sacudida. Sacudida, mas só para alguns e para um lote de artistas americanos que para lá foi em busca de modernidade. O resto manteve-se turrão e conservador, escondendo dinheiro debaixo do colchão e valorizando a virgindade.
Mas o que é virgindade exatamente? Como podem, os homens que compram virgindade femininas por altíssimo preço em leilões online, saber que não adquiriram gato por lebre? Ou hímens reconstruídos? Não podem. Não há como atestar, mesmo com um exame, se o hímen existe ou não. Isso sem falar em hímen complacente, que tem o bom gosto de ceder sem romper-se. Por isso, e para não submeter as jovens a tamanho constrangimento, os médicos franceses que assinam os certificados de virgindade nem lhes pedem para deitar na maca ginecológica.
Virgindade é uma ficção que só interessa aos homens e que só eles alimentam. Ou para alardear serem os primeiros a penetrar aquela mulher — como se isso fosse garantia de alguma coisa, ou de alguma especial macheza. Ou para terem certeza de que a mulher não tenha tido um filho antes, que poderia vir a abocanhar parte da sua herança.
O conceito de virgindade está baseado no hímen — coisa tão invisível — como se fosse porta ou cadeado impedindo a sexualidade. Mas para ser virgem, não basta apenas conservar o hímen. Na Idade Média permitia-se aos jovens namorados deitarem na cama para toda sorte de bolinações, excetuada a penetração; era tempo muitíssimo anterior à pílula e o que se queria evitar não era a ruptura do hímen, era a gravidez juvenil, tão comum em nossos dias.
Há tantos jogos eróticos possíveis além da penetração! O beijo é um deles, e certamente o mais usado e o mais metafórico. E quem já os jogou, certamente conhece o orgasmo, ponto extremo de qualquer relação sexual. Injusto, quem já colheu esse diamante considerar-se virgem.
Na minha geração, os meninos adolescentes eram levados por tios ou pai ao bordel, para terem sua primeira experiência com uma profissional bem treinada. Para uns e outros parecia tão natural que assim fosse! Como agora parece natural a certas famílias pedir para suas filhas um atestado de virgindade.