Marina Manda Lembranças M e cubro de urticária cada vez que ouço ou leio a palavra “esperança”, utilizada ad nauseam nestes dias festivos. ...
Marina Manda Lembranças
Que futuro melhor?!
Leio o livro “A bailarina da morte”, relato do que foi a gripe espanhola no Brasil, realizado pelas historiadoras Lilia M. Schwarcz e Heloisa Sterling. Há mais de 100 anos, como hoje, repetiram-se os mesmos erros. E há mais de 100 anos, como hoje, esperava-se que a epidemia trouxesse algum aprendizado, nos tornasse minimamente mais compassivos. O que não aconteceu.
No Brasil, a gripe espanhola chegou em setembro de 1918, quando o navio Demerara – mais tarde apelidado de Navio da Morte – atracou no porto de Recife. Alguns passageiros e tripulantes estavam adoentados e outros contaminados. A peste foi recebida com indiferença, tratada de “gripezinha”, ocultada pelas autoridades médicas e por quem estava no poder.
Mas, do Recife espalhou-se rapidamente pelo Brasil todo pelo próprio Demerara, que ia parando de porto em porto, sem que nenhuma precaução fosse tomada. Só chegando a Buenos Aires, seu destino final, o navio foi desinfetado.
Do porto a peste se infiltrava em cada cidade e dali, pelas ferrovias, pelas embarcações fluviais, pelas cargas, e pelas estradas, penetrava Brasil adentro.
Por toda parte foi recebida com negacionismo, falsas informações de parte dos órgãos oficiais de Saúde, falsos remédios e mezinhas aconselhados. Sobretudo, os interesses econômicos e políticos conduzindo o jogo acima da salvaguarda dos cidadãos.
Ontem como hoje, grande parte da população não dispunha de saneamento básico, nem de água tratada.
E o que aprendemos com a espanhola que nos ajudasse a enfrentar esta nova pandemia? Nada, absolutamente nada.
Foi justamente esta comparação deletéria que levou as duas historiadoras a realizar livro tão fundamente pesquisado.
O título do livro se assemelha ao que foi dado, em português, ao romance de Stephen King, “The Stand”, de 1978, “A dança da morte”. Pois a espanhola foi logo apelidada “dançarina “quer pela sua suposta origem na terra do flamenco, quer pelo seu deslocamento rápido como uma dança. Coincidentemente, ou não, o livro trata como ficção a epidemia de um vírus gripal que mata 7 bilhões de pessoas. Tanto que, quando a covid19 começou, Stephen King teve que tranquilizar seus seguidores através de uma postagem no Twitter.
Aliás, foi a gripe espanhola que vitimou a minha avó materna, quando minha mãe tinha apenas 5 anos. Em Parma, cidade do Norte da Itália já famosa pelo queijo parmesão, pelo presunto cru e pelo batistério de 1196 ,mas naquele tempo ainda pequena, o que nos dá medida da virulência da pandemia. Minha avó se inclui entre os 20 milhões a 50 milhões de pessoas mortas no mundo pela espanhola.
Paralelamente leio “Nós somos o clima”, brilhante construção mental de Jonathan Safran Foer. E me surpreendo ao perceber que a questão climática é tratada exatamente como as duas pandemias. Com negação, falsas informações dadas pelos órgãos oficiais, privilegiando lobbys em busca de apoio político, e colocando a economia à frente, muito à frente da salvação planetária.
Assim como ninguém acreditou na urgência necessária para enfrentar a espanhola e a covid19, ninguém acredita que estejamos ultrapassando o ponto do qual não há volta possível.
Mas Foer não usa a vã palavra esperança. O que emana do seu livro é a palavra ação.