Marina Manda Lembranças N ão conheci Mario Filho, porque ele havia acabado de morrer quando fui contratada para editar o suplemento “femini...
Marina Manda Lembranças
Marina Manda Lembranças
Mais que uma editoria era uma estiva. Eu saía do Jornal do Brasil às sextas feiras, fim de tarde, e ia direto para o dos Sports. Não tínhamos hora para acabar, muitas vezes entrávamos madrugada adentro. Além de editar eu fazia a seção de culinária, com ilustrações, a seção de moda, com ilustrações em outro estilo, e a coluna social. Um repórter fornecia a reportagem, sempre a respeito de uma atleta.
A sala era uma espécie de depósito vazio, de que o piso havia sido arrancado. Trabalhávamos juntos e sozinhos no espaço enorme, eu, o paginador Marcelo Monteiro, hoje brilhante ilustrador da terceira página do Globo, e uma figura que, se a memória alcança, se chamava Almirante. Digo figura porque era tipo único, verdadeiro catálogo humano de tipologia. Passava a noite sentado ao lado de Marcelo que, armado de régua, de repente disparava a medida. E Almirante, que sabia o catálogo de cor, dava o tamanho e a família do tipo. Não havia erro.
Por vezes, juntava-se a nós Paulo Rodrigues, irmão de Mario Filho. Em absoluto silêncio sentava-se numa cadeira encostada à parede, como forma de pressionar Marcelo a fazer as ilustrações de um livro de crônicas tiradas da sua coluna “Se a cidade falasse”. Escrever era uma vício do irmãos Rodrigues, como veremos adiante. Paulo, tão silencioso, teve fim trágico. Morreu menos de um ano mais tarde no desabamento do prédio em que morava, em Laranjeiras.
O Jornal dos Sports era point da família Rodrigues. Ao chegar passava por Nelson, sentado com seus indefectíveis suspensórios, escrevendo sua crônica esportiva – mais de uma vez tentou me deslumbrar com frases bombásticas, mas eu era moça bem treinada. Volta e meia as duas irmãs de Nelson apareciam em nossa sala para falar com Paulo. De uma lembro o nome, Helena, de outra a cabeleira vermelha, mas pode ser o contrário. As duas me pareciam alucinadas, sempre à beira de um ataque de nervos.
E agora vou contar algo de que pouquíssima gente tem conhecimento. E bota pouquíssima nisso!
Mario Filho, tinha um banheiro muito bem equipado, onde passava um bocado de tempo. Alegava, para isso, prisão de ventre – jamais trataria de coisa tão escatológica se o resultado não fosse outro.
Passado um tempo da sua morte, a viúva foi ao Jornal dos Sports. E, consequentemente, ao banheiro adjacente à sala de Mario. Onde deparou-se com um armário metálico trancado. Procurou-se a chave em todas as gavetas da mesa do chefe, em cada mínima caixinha. Em vão. Depois, achando que o armário podia conter roupas a serem dadas para alguém, a viúva mandou forçar a fechadura do armário.
Não continha roupas. Em vez disso, abrigava pilhas de cadernos grossos, todos escritos a mão. Eram textos pornográficos, bem mais ousados que as peças do irmão dramaturgo. Que o autor, homem casado e de bem, escrevera por compulsão e preferira ocultar.
Quem me contou esta história já morreu e não posso recorrer a ele para confirmar.
Tudo isso, para dizer que acho suprema vergonha a Alerj mudar o nome do Maracanã, de Mario Filho para Edson Arantes do Nascimento, Rei Pelé. Pois Mario Filho também foi Rei, Rei de todos os Sports.