Marina Manda Lembranças I mpossível acreditar no que li: baseada em dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares do IBGE relativa a 2019, a Re...
Marina Manda Lembranças
Marina Manda Lembranças
A frase vai pari passu com outra que o Brasil evita dizer: “pobre não come”.
Que tal acrescentar, não lê e não come porque ambas as coisas são caras demais para quem não tem dinheiro?
Recentemente atendi ao chamamento de Hugo de la Peña para doação de livros à Favelivros, instituição sem fins lucrativos que organiza bibliotecas comunitárias em várias favelas cariocas. Fiz mais de uma bolsa bem fornida, de títulos meus e de livros que li e não preciso guardar. Mesmo que tenha dedicatória, um livro só completa sua função quando lido por mais pessoas, sobretudo pelos mais jovens e por maior número de crianças. Fora disso, estamos negando o valor do livro e da leitura, o que nos faria retroceder à barbárie.
Famílias pobres, jovens pobres consumiriam livros se os tivessem. Não todos, certamente, que a leitura depende também de temperamento, porém muitos mais do que atualmente. Mas a passagem para chegar a um biblioteca pública custa, e o ambiente intimida quem não se sente bem trajado, quem não está acostumado a uma – ainda que mínima – pompa. A solução foi criar bibliotecas comunitárias, dentro das favelas, perto da casa de cada um, para que não sejam necessárias passagem ou roupa adequada, em ambientes semelhantes aos que já se conhecem.
Lembro de um caso acontecido há anos na Biblioteca Central de Belo Horizonte. Pouco a pouco os funcionários se alegraram ao perceber que muitas pessoas de idade começaram a frequentar a Biblioteca. Acabaram descobrindo que os avós dos jovens, tendo passagem grátis na condução, iam substituir os netos fazendo em vez deles a pesquisa encomendada pelos professores.
Mas bibliotecas dependem de um bom bibliotecário ou bibliotecária. Alguém que conheça os frequentadores e os aconselhe de acordo com seus interesses. Um livro que não se aninhe no leitor é leitura inútil, não acrescenta coisa alguma e será esquecido assim que a capa se fechar sobre as páginas. Sempre me pedem dicas de leitura, que nunca dou. Pois cada um tem ansiedades e perguntas diferentes a serem aplacadas ou respondidas pela leitura. Meu conselho é ir para a livraria e folhear livros até que o coração grite: é este! Ou ir para a biblioteca, conversar com a(o) bibliotecária(o) se existir, ou solicitar vários livros e folheá-los até que o mesmo aconteça.
Li que na Pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, realizada em 2019 pelo Instituto Pró-Livro em parceria com o Itaú cultural 11% dos entrevistados disseram acreditar que a leitura pode fazer alguém “vencer na vida” e melhorar sua condição financeira. Mas não é só isso que a leitura pode fazer, embora este seja- pelo menos para 11% – o maior movente. A leitura expande o conhecimento de si e dos outros, expande a sensibilidade, acrescenta dados que não adquiriríamos de outra forma, amplia os horizontes, é passaporte para outras culturas e outros tempos, é viagem sem custo e sem sair do lugar.
Costumo dizer que fui mais formada pela leitura do que por escola ou família. A leitura foi sustentação e argamassa na construção da mulher que sou hoje.
Sei que nesta crônica não disse nada além do que tantos disseram. Mas quem acredita fundamente no livro, como eu acredito, tem por obrigação defende-lo.