Marina Manda Lembranças E m uma matéria sobre pesca predatória, o Fantástico do domingo passado mostrou um mero. Mostrou não, deu a conhecer...
Marina Manda Lembranças
Marina Manda Lembranças
Então aqui o apresento, eu que o conheci no passado, agora remoto. Nome oficial: Epinepheus Itajara. Pertencente à nobre família Serranidae. Habitante das águas tépidas tropicais e sub tropicais do oceano Atlântico. Atualmente em risco de extinção.
É da mesma família da garoupa, só que uma garoupa enorme. E, como a garoupa, vive em tocas profundas com as quais se mimetiza. Eu o conheci nos Campeonatos de Caça Submarina, em Angra dos Reis, do qual meu irmão e boa parte dos nossos amigos participavam. A galera feminina em peso se transferia para Angra, embora nenhuma de nós participasse do Campeonato. Animávamos a chegada dos mergulhadores, a pesagem dos peixes capturados e funcionávamos como torcida.
Íamos e voltávamos todos de traineira, envoltos nas japonas compradas frente ao Arsenal da Marinha – menos os veteranos que enfrentavam a longa viagem de carro, pois a estrada litorânea ainda não existia – Nos hospedávamos em hotéis baratos, mais de um em cada quarto, comíamos sanduíches e apostávamos no jantar. Angra era naquele tempo cidade bonita, colonial, a rua principal cheia de sobrados com sacadas em ferro batido, o porto com barcos de pescas balouçando. E os dois conventos imponentes.
O Campeonato estabelecia o rebuliço, enchia ruas e restaurantes de gente que sem ser turista era estranha, homens belos e bronzeados circulavam atraindo olhares das moças, a rádio local ligava os alto-falantes até a noite, uma alegria contagiante se espalhava na cidade.
Não lembro o que nós moças fazíamos até a hora da chegada dos barcos, respeitada com precisão milimétrica. Certo é que dormíamos bem mais que os participantes obrigados a madrugar, tomávamos café reforçado no bar, e flanávamos. Muitas vezes marquei encontro com meu pai, que morava na fazenda de sua propriedade perto de Angra, e vinha até a cidade participar do movimento.
Volto aos meros. Quantos deles vi pendurados do alto por um gancho, sendo pesados, caça importante quer pelo peso, que pelos pontos que valia. Sempre tive pena. Bicho manso, que apesar de ter dentes não ataca quem penetra na sua toca/casa, limitando-se a abrir as guelras.
Depois de devidamente pesados eram doados a abrigos, escolas, ou instituições de caridade. Os outros peixes imagino que fossem levados aos restaurantes para nos alimentar, pois os mergulhadores vinham com fome grandíssima, depois de passar o dia todo em atividade, submetidos ao estresse da competição.
Mas estava longe, muito longe de ser pesca predatória como aquela mostrada no Fantástico. Era o enfrentamento entre duas criaturas, praticamente em igualdade de condições. O mero sendo maior, costumava entocar-se bem fundo. E o caçador tinha arma, mas mergulhava em apneia e era obrigado a vir à tona com frequência para recuperar o fôlego. Sei que no princípio da década de 60 as roupas de neoprene já haviam sido inventadas, mas não me lembro de vê-las em uso para mergulho. Pelo menos, quando eu mergulhava com meu irmão Arduino, não usávamos roupa alguma além de calção e biquini. O mergulhador, então, estava em desvantagem já que o mero havia nascido naquela temperatura. Mas o mergulhador vinha como predador, enquanto o mero só se interessava por moluscos, caranguejos e lagostas. Podemos dizer que eram duas criaturas equivalentes.
Com certeza não foi a caça submarina que levou os meros à beira da extinção. Foi a ganância, trazendo como resultado a pesca predatória. Que ameaça deixar mares e oceanos vazios de sua maior riqueza: os peixes.