Marina Manda Lembranças S empre achei que o Brasil tem que parar de ser condescendente com homens que abandonam os filhos, deixando-os entre...
Marina Manda Lembranças
Marina Manda Lembranças
Sempre atribuí essa leniência ao machismo estrutural, permitindo aos homens o prazer sem terem que arcar com as consequências. E mais, recusando-se a usar camisinha porque diminui o prazer, enquanto a mulher – muitas vezes uma adolescente – tem medo ou vergonha de pedir que a usem. Medo da reação, e vergonha de não parecer suficientemente descolada. Sendo que para as mulheres o uso de contraceptivos é bem mais complicado – torna-se necessário ir pelo menos uma vez ao ginecologista, certas mulheres não se dão bem com determinadas pílulas, precisariam voltar ao ginecologista, e pílulas não são gratuitas.
Segundo dados do IBGE o Brasil tem mais de 11 milhões de mulheres-mães em voo solo. É milhão demais. E equivale a 11 milhões de homens que se escafederam. Ou até mais, pois uma mulher pode ter filhos com homens diferentes que agiram da mesma forma.
O Instituto Locomotiva me informa que 57% dessas mães vivem abaixo da linha de pobreza. E que mulheres negras são a maioria.
Mas, pesquisando para escrever esta crônica, descobri outros dados e uma interpretação bem diferente.
Segundo o Ipea as mulheres economicamente responsáveis pela família pularam de 25% em 1995, para 45% em 2018. Delas, 43% são casadas ou vivem como se o fossem, e 30% têm filhos.
Outros dados dizem que 87% das famílias sem cônjuge são bancadas por mulher. Mas quando há cônjuge e o casal tem filhos a proporção baixa para 22,7%.
Pelo IBGE, o número das mulheres que sustentam a casa sozinhas aumenta a cada ano, sejam elas casadas ou solteiras. Já temos 34,4 milhões delas, o que corresponde a cerca da metade das famílias brasileiras.
Entre 2014 e 2019 dez milhões de mulheres assumiram as contas, enquanto 2,8 milhões de homens perderam o emprego e deixaram de pagá-las.
A interpretação diferente descarta o machismo, e atribui tantas contas pagas ao empoderamento feminino. Levam-se em conta também para esta interpretação, o aumento do nível de escolaridade, a inserção feminina no mercado de trabalho – apesar da diferença salarial entre homens e mulheres que continua, contrariando tantas batalhas – e maior visibilidade conquistada pelas mulheres quer na imprensa, que nas companhias onde podem aceder a cargos importantes, quer na política como atesta a vice-presidente americana Kamala Harris.
Ou seja, 11 milhões de mulheres sustentando a família tornou-se fato a comemorar, resultado positivo das lutas feministas.
Resta equacionar as 57% que vivem abaixo da linha de pobreza, o que significa, na miséria. Mães que precisam alimentar seus filhos, sem ajuda do macho que os gerou.
O Brasil continua aceitando como se fosse natural o homem abandonar os filhos que gerou. E desta vez não estou falando só em defesa da mulher, mas em defesa de tantas crianças, tantos jovens prejudicados por este abandono. Prejudicados no afeto pela rejeição paterna inqualificável, prejudicados nas oportunidades possíveis com dupla sustentação, prejudicados na alimentação. Prejudicados na vida presente e futura.