Marina Manda Lembranças N a primavera de 2011 fizemos uma viagem deliciosa na Toscana, e já no caminho da volta, Affonso me deu de presente ...
Marina Manda Lembranças
O autor trabalhou mais de 12 anos nesse romance grandioso, enquanto escrevia peças, adaptava romances para o palco e fazia traduções. Um ”romance-poema” conforme definição do poeta Eugenio Montale. Mudou muitas vezes o título ao longo dos anos , o livro chamou-se inicialmente “O mago negro”, depois “O casco do engenheiro”, em seguida “A noite de um sábado espantoso” e Bulgakov foi trocando até chegar ao titulo definitivo.
Trabalhou até o fim no romance que faria dele um dos mais importantes escritores do século XX . Um mês antes de morrer – foi vítima da mesma doença renal que matou seu pai – quase cego, ditou à mulher, Elena Sergeevna as última correções.
Disse que o momento certo de ler é agora, porque paira sobre o Brasil um certo, intenso, cheiro de enxofre. E a personagem principal de “O mestre e Margarida” é o Demônio, Satanaz, Belzebú ou, como mais se queria chama-lo. No romance se chama Woland, e surge, inesperado, sentando-se no mesmo banco de praça onde um poeta e um crítico enumeram as provas da inexistência de Deus. Woland obtempera que Jesus existiu, descreve detalhadamente o suplício na cruz e revela sua cumplicidade na decisão de Póncio Pilatos. O poeta acabará atropelado por um bonde e terá a cabeça decepada, conforme previsto por Woland.
No Brasil de hoje o Demo ganhou novas e numerosas identidades, disfarça-se – mas com rabo de fora – em negacionistas, os que recusam a máscara, os disseminadores de fake news, se mete entre os garimpeiros ilegais e os derrubadores da mata, recusa evidências científicas, detona a cultura e o conhecimento, e dança sobre tantos cadáveres que ajudou a matar.
Woland só atua pessoalmente quando indispensável. Tem assistentes, que mudam suas características conforme a ocasião. Um enorme gato preto de nome Behemot, que anda erguido sobre as patas posteriores e tem garras assassinas, mas pode tornar-se um meigo gatinho. Um cidadão da cabelos vermelhos e pincenê rachado, alto e magro, ou baixinho, com caninos protuberantes e longos. Outro cidadão que muda constantemente de aparência. E uma serviçal costumeiramente nua, com uma cicatriz circular ao redor do pescoço.
Woland se diz professor de magia negra, e bota negra nisso! E sob essa chancela realiza um espetáculo no Teatro de Revista, surpreendendo com seus truques um público enorme, e finalizando com uma distribuição gratuita, para as senhoras, de vestidos e sapatos elegantes, perfumes e joias. Que horas depois desaparecem, deixando as usuárias nuas.
O Mestre já aparece com Margarida e pode ser interpretado como um alter ego de Bulgakov. Escreve durante anos um romance sobre Póncio Pilatos, finalmente recusado pelo editor. O mestre atira o romance no fogo, e Margarida salva uma parte.
Me recuso a fazer spoiler.
Em 1937 Bukgakov deu por terminada a versão manuscrita do romance. Só dois anos mais tarde a versão datilografada ficou pronta. Pronta exatamente não, porque o autor introduziu modificações até a hora da morte.
Durante muitos anos “O mestre e Margarida” circulou clandestinamente como samizdat. Mas passados 25 anos da morte do marido, Elena Sergeevna manteve a promessa que lhe havia feito e conseguiu que a revista “Moskva” o publicasse como folhetim. O romance porém foi duramente censurado, calcula-se que 12% tenham sido eliminados. Assim mesmo causou grande eco literário, logo traduzido para outras línguas.
O romance só foi publicado na íntegra quase 30 anos após a morte de Bulgakov, e lhe garantiu a fama.