Marina Manda Lembranças O Galgo italiano é o cachorro da moda neste momento, tendo suplantado o Lulu da Pomerania – raças de cães, assim ...
Marina Manda Lembranças
Marina Manda Lembranças
Ao contrário do Lulu, sempre impecavelmente penteado, o galgo italiano é cão despido, de pelo curto ou curtíssimo, branco, cinza claro, ou cor de mel. Encontrei um deles hoje. Paramos os três no sinal, ele, a dona dele, e eu. Me abaixei para acaricia-lo e ele veio imediatamente buscar seu lote de carícias, mel puro. Era pouco mais que um filhote, me informou a dona sem que fosse necessário.
Galgos Italianos, apesar da denominação, vêm do Egito e são espécie antiguíssima, algo como 2.900 anos a.C. . Costumam ser muito inteligentes e amorosos, precisam mais de afagos e afeto do dono que de longas caminhadas.
Para quem tiver interesse em possuir um deles, notifico que medem de 32 a 28 centímetros de altura, pesam cerca de 5 quilos, e são magérrimos.
Tive um, quando criança. Ou melhor, meus pais tiveram um no tempo em que morávamos na África.
Acho que a família já havia-se mudado, de Asmara (na Eritréia) para Trípoli (na Líbia). Nosso galgo chamava-se Zemba, que na língua local significava mosca. E acabou seus dias entre os dentes de um leão.
Nossos pais haviam feito algumas caçadas, não de leões mas de antílopes, caçadas das quais guardo fotos. Era costume dos europeus na África, autonomeados colonizadores, irem à caça de qualquer animal, melhor se grande e feroz, cuja cabeça valesse a pena pendurar na parede como troféu. E meus pais foram almoçar na casa de amigos que haviam caçado leões e criavam um deles numa jaula, pegado quando ainda filhote. A má ideia dos meus pais foi levar Zemba.
Que sendo tão magro e amoroso quis brincar com o companheiro da juba e, fazendo jus ao nome, meteu-se como uma mosca entre as barras da jaula. O companheiro, que não estava a fim de brincadeiras, meteu-lhe os dentes tão logo Zemba chegou ao alcance da sua boca.
Não assisti a esta cena, porque crianças pequenas não iam a almoços de amigos, eram deixadas em casa com a babá. Mas meu pai me contou, e nunca a pude esquecer.
Acabei de conta-la na feira Hippie de Ipanema, a um jovem nem tão jovem, que abocanhava um hamburguer cobiçado pelo galgo italiano que trazia na coleira. Não por nada, quando perguntei o nome do cão, o dono disse que se chamava Comida porque era muito guloso.
Comecei dizendo que havia tido um cão daquela raça que fora comido por um leão. Se o jovem nem tão jovem estranhou a afirmação, não demonstrou.
Continuei dizendo, enquanto comia o acarajé contido em um pratinho e rodeado de quiabos picados, que isso aconteceu quando morávamos na África. Nem cheguei a dizer que o nome do meu galgo era Zemba. Achei que o que tinha falado, atendendo apenas ao apelo da memória, era mais que suficiente.
Confesso que me vi/senti numa situação bem estranha. Uma senhora distinta comendo acarajé na feira hippie e falando, sem sotaque algum, do tempo em que vivia na África.
Dou razão ao jovem nem tão jovem se, diante dos meus cabelos brancos, pensou estar falando com uma velha atacada de demência.
Fato é que, tendo acabado o hambúrguer e preparando-se para ir embora, o dono do galgo, disse ao cão “Comida, despeça-se da vovó”. E Comida, pensando na carne que havia acabado de perder, foi puxado pela coleira sem me dar a mínima atenção.
De um instante a outro havia sido promovida a avó de cão.