Marina Manda Lembranças A novela “Salve-se Quem Puder” terminou com um festival de homens ajoelhados pedindo as três personagens principais...
Marina Manda Lembranças
Marina Manda Lembranças
No mesmo sábado em que a novela acabou, fui apresentada a uma nova categoria, os arromânticos, pessoas que não sentem amor “romântico”, embora mantendo relações estáveis.
Uma coisa é romantismo, outra bem diferente é amor ou paixão.
O romantismo varia ao sabor da cultura e da história. Se no século passado era considerado romântico o pretendente pedir a mão da futura noiva ao pai dela, hoje homem nenhum se atreveria a fazer o mesmo com medo de ofender a pretendida. Se em séculos anteriores o casamento era a celebração de um aliança entre dois homens às custas de uma mulher e dos filhos que ela geraria no ventre, hoje os noivos comunicam aos pais sua intenção de casamento sem que isso seja considerada uma ruptura com o romantismo.
O romantismo é personagem central da maioria das novelas – não por acaso “Salve-se Quem Puder” terminou com tamanho festival – de todos os romances água-com-açúcar, de todos os sucessos da música pop, da maioria do anúncios publicitários. Ou seja, o romantismo é parte do comportamento social imposto através de normas, que mudam à medida que muda o comportamento coletivo, e através de discursos transmitidos de uma geração a outra, que idem.
O romantismo se adapta às circunstâncias, àquilo que naquele momento é considerado romântico. Ao contrário, a paixão não se adapta a nada, não obedece a ninguém, nem ao apaixonado, que se sente levado à paixão por mão de ferro.
O pianista Jonathan Ferr ganhou o primeiro teclado aos 9 anos, presente do pai. Declarou em recente entrevista: “Depois desse presente minha vida ganhou um novo sentido. A música virou uma obsessão. Deixei de jogar futebol e soltar pipa para me dedicar aos ritmos. Sabe aquela sensação de estar apaixonado? Era exatamente assim que eu me sentia”.
A paixão é isso mesmo, uma obsessão que domina o pensamento, que conduz o desejo, que estabelece o projeto de vida. Pode durar pouco, assim como pode durar uma vida inteira.
Pode-se sentir paixão por animais, por uma profissão, pela natureza, e sentir-se preenchido por ela. A maioria dos artistas tem paixão pelo que faz, assim como cientistas, matemáticos, pensadores.
Como escreveu Luzilá Gonçalves Ferreira no ensaio “Lou Andreas-Salomé: a paixão viva”: “A atividade criadora se apaixona por tudo aquilo que é vida em nós, que é indício do que em nós lateja de mais secreto, e que atinge as raízes do ser.”
Paixão pode não ter nada a ver com sexo, apesar de muitas vezes chegarem acoplados.
Os arromânticos não escapam do amor nem da paixão. Se furtam ao romantismo, às declarações, aos buquês de flores, às juras de paixão eterna, aos presentes na data em que a relação começou, às velas acesas, ao incenso no quarto de dormir.
Amor e paixão são bem mais do que isto.
Ontem mesmo tive um encontro de amor. Passei por um ipê rosa completamente florido, sem uma única folha visível. Parei alguns minutos para contemplá-lo. Depois segui caminho.
Amor é isso. Um sentimento de bem querer que invade os poros e penetra no sangue, nos enchendo, ainda que por poucos minutos, de paz interior.