Marina Manda Lembranças P enso nas mulheres do Afeganistão e meu coração sangra. Fazem 20 anos da invasão americana. Tempo suficiente para o...
Marina Manda Lembranças
Penso nas mulheres do Afeganistão e meu coração sangra.
Fazem 20 anos da invasão americana. Tempo suficiente para o nascimento e crescimento de centenas, milhares de meninas. Que não viram suas mães usando burca, nem precisando da escolta/presença de um homem para sair de casa.
Estas meninas foram à escola, estudaram, fizeram planos para o seu futuro. E agora, quando estavam prontas para realiza-los, viram planos e esperança irem água abaixo, ou melhor, entrarem num verdadeiro esgoto comportamental.
No começo de 2021, 27% das cadeiras do Parlamento eram ocupadas por mulheres.
Agora, a primeira prefeita do Afeganistão, Zarifa Ghafari, de 27 anos, declarou semana passada a um site britânico; “Estou aqui sentada esperando eles chegarem. Não há ninguém que possa ajudar a mim ou a minha família. Estou aqui sentada com minha família e meu marido. E eles vão vir atrás de pessoas como eu e me matarão. Não posso deixar a minha família. Mas, para aonde eu iria?” Não sei o que foi feito de Zafira, se apenas perdeu o cargo, se foi morta como esperava, ou se foi substituída como prefeita por um homem da sua família.
Sim, porque isso também aconteceu. Durante o ano passado, quando autoridades do governo de Cabul tentavam negociar com o Talibã, combatentes entraram no Banco Azizi da cidade de Kandahar, retiraram as nove funcionárias que ali trabalhavam e disseram a elas que seriam substituídas por seus parentes homens. Que os parentes soubessem ou não desempenhar-se como bancários não tinha a menor importância. Na mentalidade Talibã um homem é sempre melhor e mais inteligente que uma mulher.
“Jornalistas poderão continuar a exercer sua profissão” afirmou à CNN um combatente Talibã. E acrescentou, “Desde que...”. O problema reside no “desde que”. As regras não são claras. Duas âncoras continuam trabalhando. Mas como “exercer a profissão” com corpo e rosto ocultos por burca, impedindo a identificação e a confiança? Já em março, três jornalistas foram assassinadas.
E o porta-voz Talibã, Zabihullah Mujahid, sem responder ao repórter da Reuters que havia lhe perguntado se mulheres poderão trabalhar, afirmou: “Após o estabelecimento do sistema islâmico, será decidido de acordo com a lei e, se Deus quiser, não haverá problemas”. O problema é justamente a interpretação que o Talibã faz da lei islâmica.
Na universidade de Cabul, os professores já estão se despedindo das alunas, prevendo que elas não voltarão a frequentar suas aulas.
E as vendas de burcas dispararam. Mas as compradoras não são mulheres. São homens que compram muitas de uma vez, para proteger todas as mulheres da família, esposa, filhas, sobrinhas, e até avós.
Nesta última terça, na reunião do Conselho de Direitos Humanos da ONU, solicitada pelo Paquistão e pelo Afeganistão representado por um diplomata nomeado pelo antigo regime, a alta comissária Michelle Bachelet afirmou: “A linha vermelha fundamental será a forma como o Talibã trata as mulheres e as meninas e respeita seus direitos à liberdade de movimentos, à educação, à expressão pessoal e ao emprego”. A reunião tinha o apoio de 100 países.
Bachelet, porém, não disse o que acontecerá se o Talibã ultrapassar a “linha vermelha” traçada pela ONU.
O que, muito provavelmente acontecerá a partir do dia 31 de agosto, quando os USA se retirarem definitivamente. Ou antes.
Como diz o velho ditado, “o lobo perde o pelo, mas não perde o vício”.