Marina Manda Lembranças E screvo no domingo, dia dos Pais. Tive um pai exótico, Manfredo Colasanti, que parecia ter chegado à vida para um ...
Marina Manda Lembranças
Marina Manda Lembranças
Aos 15 anos desceu de bicicleta uma escadaria imensa e se quebrou todo. Aos 16 ou 17 fugiu de casa, com a conivência do pai, para se alistar nos “irredentistas” do poeta Gabriele d’Annunzio, cujo objetivo era retomar a cidade de Fiume (atualmente Rijeka, na Croácia) para ser anexada à Itália. Fiume foi retomada mas, ao contrário do esperado, o governo italiano exigiu a rendição dos golpistas. Guardo carta do poeta a meu avô, citando “o legionário louro”, meu pai.
Veio pela primeira vez ao Rio em 1925, para assistir ao casamento da tia, a cantora lírica Gabriella Besanzoni, com Henrique Lage. Voltou mais tarde para passar uma temporada na casa do casal, na ilha de Santa Cruz (a mansão do Parque Lage estava sendo construída).
Adiante casou com a minha mãe, em campo aberto cercado de metralhadoras, já de coturno e uniforme, prestes a embarcar para a conquista da Etiópia, novamente voluntário. Voluntariou-se duas vezes na mesma guerra, a segunda degradando-se e indo como soldado raso, porque havia excesso de oficiais.
Seguiu-se cerca de um ano e meio de tranquilidade em Asmara, onde nasci. Meu pai já trabalhando normalmente, até nova mudança de cidade e de país. Manfredo havia sido transferido para Trípoli, na Líbia.
E tudo teria continuado pacífico (ou não teria, considerando o temperamento dele) se em 1940 a Itália não tivesse ingressado na Segunda Guerra. Cinco anos mais tarde a guerra acabou, deixando o país destroçado. Manfredo embarcou no primeiro navio a zarpar rumo ao Brasil. Depois nos contou que, pela primeira vez na vida, tinha dormido em rede. O navio estava lotado, e havia sido o único recurso para abrigar a todos.
Nós viemos dois anos mais tarde, e o encontramos enturmadíssimo, trabalhando numa empresa do conglomerado Henrique Lage.
Passam-se exatos 20 anos. Meu irmão Arduino é ator, e está atuando em um filme de Nelson Pereira dos Santos, “Fome de amor”, com base em Angra dos Reis.
Chega o dia do descanso semanal, e Arduino sugere irem todos à casa de Manfredo que, naquele momento, mora numa fazenda a poucos quilômetros da cidade. E vão. Tenho uma foto daquele dia, melhor dizer daquela noite, meu pai dançando animado com Leila Diniz estrela do filme. Beberam todas, comeram pasta feita por ele, e o resultado foi a inclusão de Manfredo em “Fome de amor” no papel, prontamente inventado, de um psiquiatra de cachorros.
Depois dessa primeira investida fez mais de vinte filmes, ao menos quatro deles contracenando com meu irmão. O que mais repercutiu foi “Como era gostoso o meu francês”, mais um de Nelson, em que Arduino matava a personagem representada por Manfredo.
Lembro perfeitamente de levar minha filha Fabiana ao teatro, para ver o avô no palco com Camila Amado em “A dama das camélias”, onde fazia o papel do pai de Armand Duval, par amoroso da Dama.
Levei também Fabiana para ver o avô no Tablado, onde compunha o elenco de “Pluft o Fantasminha” no papel de Tio Gerundio, fantasma que sai de um baú, meio dormido meio acordado.
A notoriedade veio quando ele interpretou várias novelas da Globo e da Bandeirantes, das quais as mais famosas foram “Pai Herói” e “Os imigrantes”. Me disse mais de uma vez, que às vésperas da gravação ficava muito nervoso, mal conseguia dormir, tinha medo de esquecer o texto.
Aos 81, quando morreu na casa do meu irmão em Jurujuba, de edema pulmonar e insuficiência cardíaca, continuava trabalhando na Globo.
Esta crônica é para ele, que lhe chegue como um presente.