Marina Manda Lembranças S entada na sala de espera de uma clínica oftalmológica, meu olhar é atraído por um arranjo de flores falsas. Sempr...
Marina Manda Lembranças
Marina Manda Lembranças
O plástico deu um novo impulso às fake flowers, da mesma forma que as redes sociais impulsionaram de maneira exponencial as fake news. As duas são igualmente falsas.
Mas enquanto as flores se revelam falsas bastando apenas um leve toque, não há como desmascarar, tocando-as, as fake news. Toque, em celular, se confunde com comando – quem tocar a telinha corre o risco de apagar tudo, mas sem chance da máscara da falsidade cair.
Para derrubá-las do cavalo das redes sociais onde nos chegam a galope, são necessárias inteligência e informação. O que, conforme sabemos, nem todos tem.
Tenho várias flores falsas guardadas em caixas. As prendia acima ou aos lados do coque – igualmente falso – no tempo em que íamos a jantares ou até ao Municipal bem arrumadas, preferivelmente negrovestidas. As flores das minhas caixas não tentam imitar suas irmãs verdadeiras, nenhuma camélia tem pétalas tão regulares e tão brancas e, apesar do empenho dos botânicos, não existe rosa preta.
Flores falsas podem ser de seda, quando parecem meninas mortas. De algodão bem engomado, quando ganham rigidez que nenhuma pétala verdadeira tem. Ou de plástico, quando conseguem verossimilhança capaz de iludir os humanos, mas não de enganar as abelhas.
Flores de plástico não precisam ser regadas, não necessitam de poda nem de adubo. Dão menos trabalho. Mas juntam poeira em cada folha, e o trabalho que poupam pela ausência de rega, poda e adubo, se multiplica quando de faz necessário limpar as folhas uma por uma, a poder de pano molhado, para mantê-las brilhantes e conservar a ilusão da verdade.
As fake news tem, e ao mesmo tempo não tem, tantas diferenças. É bem verdade que cada uma delas é confeccionada de acordo com o tema que se pretende falsificar. Mas o conjunto é todo fabricado com idêntico material, ou finalidade: induzir ao erro quem as consome, em benefício de quem as veicula.
Atrás da qualquer fake news há sempre quem se beneficia, ou até mesmo uma legião de beneficiados.
As flores falsas tem como objetivo, poupar trabalho à dona da casa já assoberbada por sua profissão e pelo acúmulo de outras tarefas. Ou, com maior frequência, trazer um toque iluminante de natureza para ambientes geralmente fechados, iluminados apenas por luz elétrica onde plantas verdadeiras não sobreviveriam, e onde jarros de flores teriam que ser trocados quase diariamente.
As fake news só tem um objetivo: plantar a desconfiança a respeito de uma verdade. Ou seja, desacreditá-la, instalando em seu lugar a mentira.
O Brasil tem praticamente três inquéritos rolando sobre notícias falsas. Um é o da Polícia Federal, outro é o do Supremo Tribunal Federal e o terceiro, embora não exclusivamente dedicado a essa investigação, é a CPI do Senado.
Não à toa o brasileiro é indicado pelo recente relatório do Digital News Report, do Reuters Institute, como o mais preocupado do mundo (82%) com fake news. Trata-se da principal pesquisa mundial sobre propagação de notícias em ambientes digitais .
O índice é confirmado por uma pesquisa de 2018, quando 62% dos brasileiros entrevistados pelo Instituto Mundial de Pesquisa admitiram ter acreditado em notícias falsas – bem acima da média mundial de 48%.
Diante do assalto avassalador de fake news, replicadas por robôs, as fake flowers passam a me parecer lindíssimas!
Ilustração: Santiago Régis