Marina Manda Lembranças D esta vez não se trata de mais um livro de Harry Potter, mas de um novo filão. “Jack e o Porquinho de Natal” chegou...
Marina Manda Lembranças
Marina Manda Lembranças
Obedece a um novo tipo de criação literária que não se baseia na “originalidade da escrita” e sim, como afirma a crítica Marjorie Perloff, que a chama de inventio, na obra de um autor feita de apropriações e reciclagens, ou seja, da pescaria em trabalhos literários pré-existentes.
Mas Rowling não está apenas aderindo à inventio, é precursora. Em artigo escrito para a Folha de São Paulo, em 18-2-2001, eu já denunciava este tipo de comportamento.
Harold Bloom – que considera “Harry Potter e a pedra filosofal” um livro mal escrito “numa única página escolhida arbitrariamente (...) contei sete clichês” – acha que o modelo básico para Harry Potter foi um clássico infantil do século XIX “Tom Brown school days” (Os dias escolares de Tom Brown) de Thomas Hughes, conforme afirmou em sua crítica “How do read Harry Potter and why” (Como ler Harry Potter e porque).
Já Henriette Korthal Altes, em artigo publicado na revista francesa Lire, embora reconhecendo o direito à apropriação, ressalta no trabalho de Rowling – então limitado a Harry Potter – a presença de elementos alheios, “a bizarrice de Lewis Carroll, o lado gótico de Tolkien, o combate entre o Bem e o Mal de C.S. Lewis, o mundo da bruxaria de Diane Wynn Jones e, é claro, a fantasia de Roald Dahl”.
Eu achei vampiros, unicórnios, centauros, e até Cérbero, o mitológico cão de três cabeças guardião da entrada do Hades. Foi aproveitado para guardar o esconderijo da pedra filosofal e transformado em um canzarrão medonho que adormece aos primeiros acordes de determinada música.
Carroll parece ser mania recorrente de Rowling. Agora mesmo em “Jack e o Porquinho de Natal”, parecem nos acenar entre as páginas “Alice no País das Maravilhas “ e “Alice através do espelho”. Dickens também acena, graças ao seu “Um conto de Natal”. Acenos que eu já havia percebido no primeiro livro de Harry Potter. Isso significa que a autora se utiliza com constância das mesmas fontes, seguras e já mais do que aprovadas.
Mas se Carroll usava a linguagem de forma inovadora, jogando com as palavras e reinventado-as, a linguagem de Rowling é plana, elementar, sem qualquer originalidade. Ora, a linguagem é o que transforma o que seria apenas um livro, em literatura. Sem linguagem diferenciada impossível haver literatura.
Desastroso é o moralismo de Rowling. Que se evidencia em personagens chamadas Princípios, “Somos as Coisas que fazem os humanos se comportarem com honestidade e decência”. E que eu já havia constatado naquele artigo da Folha, onde escrevi: “Nenhum sopro de ironia perpassa os relatos das duras e constantes disputas entre os pequenos feiticeiros, disputas que estão na base do sistema educativo da escola. O tom bem humorado da autora é apenas uma forma light de conivência.”
É fácil prever que “Jack e o Porquinho de Natal” fará muito sucesso e, aproveitando a presença de Papai Noel, marcará presença ao pé de muitas árvores natalinas – não à toa foi lançado nesta época.
Porém, enquanto a apropriação da obra alheia facilita a leitura e a torna prazerosa, o aproveitamento é ralo, não penetra, não se infiltra no inconsciente, não responde a pergunta alguma.
Harold Bloom cunhou a expressão “angústia da influência”, mal do qual Rowling parece não padecer. Ou, se padece, são angústias múltiplas como múltiplas são suas influências.