Marina Manda Lembranças T enho medo da inteligência artificial. E duvido muito ser a única a ter este medo. Quando, em meados dos anos 60, t...
Marina Manda Lembranças
Marina Manda Lembranças
Quando, em meados dos anos 60, trabalhei como repórter para a revista interna da IBM me aconselharam a não chamar os computadores – então grandes como armários – de “cérebros eletrônicos” porque esta denominação assustava. As pessoas temiam que sua inteligência fosse substituída pelas máquinas.
Não preciso que o aplicativo LG ThinQ no meu smartphone ligue o ar condicionado da minha sala, quando ainda estou no caminho de casa. Aliás, não acho nem decente, com a atual escassez de chuva e a necessidade de economizar energia.
Nem preciso de uma casa inteligente. A inteligência da minha casa, atestada em tantas estantes lotadas de livros, me basta.
Tenho absoluta ojeriza ao robôzinho chamado Astro lançado recentemente pela Amazon. Não quero simpatia artificial, conseguida através de um par de olhos meigos que se abrem e fecham na telinha giratória simulando um rosto. Não quero ninguém mapeando a minha casa, pois conheço cada canto dela e a sei de cor. Não quero uma criatura mecânica andando sobre rodas, que obedeça cabalmente às minhas ordens. Nunca quis possuir um escravo.
Prefiro ter um cachorro, que me dê mais trabalho, mas cujo afeto seja honesto e sincero. E que me reconheça pelo cheiro, não graças a alguma engenhoca mecânica ou digital que faça o reconhecimento pelo som da voz.
Não necessito de Astro para cuidar da minha casa quando está vazia. Nunca esqueci janelas abertas e se esqueci não aconteceu nenhuma tragédia, nenhum alagamento. Nunca deixei o forno aceso ou o fogão ligado.
Quanto ao depósito que tem nas costas para botar objetos e à ordem para entrega-los alguém que está em outro cômodo, posso perfeitamente me levantar do sofá ou mesmo da cadeira frente ao computador. Isso me permite espreguiçar as pernas e movimentar-me, ainda que minimamente.
Aliás é exatamente o que faço tantas e tantas vezes por dia. E subo e desço escadas, mesmo que seja só para dar um recado na cozinha. Coisa que Astro, montado em sua rodinhas, não poderia fazer.
O robô doméstico está sendo desenvolvido desde 2018, e foi vendido inicialmente só para convidados pelo módico preço de US$999,99, devendo chegar ao mercado por US$ 1.449,99.
Foi programado para demonstrar emoções humanas, e para ficar mais inteligente à medida que o tempo passa. Pode se conectar diretamente com a policia, é capaz de reconhecer rostos, e está armado com tecnologia que lhe permite conhecer os limites de um aposento.
Mas “A Amazon não é inocente” como escreveu Pedro Doria em seu artigo de sexta feira “Está no ramo de acumular dados sobre nós com um único objetivo, nos vender coisas”.
A capacidade de Astro de aprender os hábitos do dono, fará com que o dono seja soterrado de tentações publicitárias ligadas a seus próprios gostos, àquilo que tem o costume de fazer. Ou seja, quem quer que compre Astro, e haverá muita gente na fila, torna-se um target perfeito.
Não só. Conhecendo palmo a palmo a sua casa, a Amazon pode sugerir móveis, tapetes e cortinas. Tudo é lucro para a Amazon.
Graças aos céus, Astro pode ser programado para não frequentar certas partes da casa (presume-se que, na maioria dos casos, não poderá acompanhar o dono ao banheiro). E basta apertar um botão para desliga-lo.
É o que eu faria, caso alguém tenha a má ideia de me dar objeto tão caro e tão desnecessário.