Marina Manda Lembranças O bservei uma traça tentando se livrar do casulo. É tão pequena uma traça e tão daninha, que eu deveria tê-la esmiga...
Marina Manda Lembranças
Marina Manda Lembranças
Fiquei olhando atentamente para a traça lutando, com tanta valentia, para ganhar a luz. Quase podia ouvir o coraçãozinho dela batendo acelerado, se é que traças têm coração semelhante ao nosso.
Movia-se lentamente por um sulco, para ela profundo, formado pela junção de dois ladrilhos no piso do banheiro. De repente deparou com um obstáculo, minúscula folha seca trazida pelo vento através da janela aberta. E multiplicou os esforços. Julguei ver a cabecinha escura despontando da ponta do casulo. Mas podia ser engano.
Precisava ir à cozinha esquentar o jantar, e me separei a contragosto da luta da traça. Preferia ter ficado até ver o último capítulo dessa novela inesperada.
Mas não é mesmo percurso que os seres humanos empreendem na hora do nascimento? Eles também lutam para ganhar a luz, e lutam mais ainda para se livrar do casulo que o corpo da mãe representa. E só depois de serem quase cegados pela luz intensa da sala de parto – os que nascem em maternidade – emitem o primeiro grito e têm os pulmões invadidos pelo ar primeiro.
Como uma traça trabalhamos ao longo da vida adulta para nos livrar das limitações impostas pelos nossos problemas, pelo nosso inconsciente e, não em nível menor, pela hereditariedade e pela formação que recebemos. Quando jovens nem temos consciência dessas limitações, estamos todos lançados para a frente e o futuro parece ser a única coisa que conta.
Penso na traça e continuo vendo sua cabecinha despontando do casulo.
Lamentei muito saber – fui procurar detalhes da vida das traças – mas uma fêmea adulta põe cerca de 50 ovos em 2 ou no máximo 3 semanas. E, quando acaba de por os ovos, morre. Pode ser efeito da exaustão, pode ser um meio da natureza controlar a sobrevivência da espécie: as mais velhas morrem para ceder seu lugar aos mais jovens. Prefiro acreditar na exaustão. A mãe morre de exaustão como as heroínas românticas do século XIX morriam de tuberculose. Mas os homens também morriam de tuberculose, enquanto os machos das traças não morrem após a postura. A natureza é tudo, menos justa.
A traça não me sai de cabeça e é inevitável compará-la com o destino humano. Quem não se viu diante de um obstáculo aparentemente intransponível justamente quando pensava haver-se livrado da carga maior? Alguns não centuplicaram os esforços, mas a maioria certamente o fez e conseguiu superar o obstáculo e seguir em frente. E quem já não se viu num sulco profundo da vida, do qual parecia não poder sair? Mas saiu. E continuou no rumo que havia traçado para si.
As traças das roupas vivem melhor em meio à umidade, ao contrário dos humanos em alguns dos quais a umidade provoca alergias. Se alimentam das roupas em que vivem ocultas. E vivem de 4 até 7 anos. Bem menos que os humanos. Mas é impossível comparar a vida de um ser vivo com a de outro. O elefante, por exemplo, animal maior do mundo vive, quando em seu próprio habitat, entre 60 e 70 anos, o que parece insignificante perto da baleia da Groenlândia que vive 210 anos.
Volto à traça. Não sei o que aconteceu com ela, se conseguiu se safar e levar adiante o seu destino, ou se acabou devorada pela lagartixa que mora em meu banheiro e que também observo encantada.