Marina Manda Lembranças I nvejei a viagem de Bolsonaro a Roma, como invejo qualquer viagem à cidade do meu coração. Rio também habita meu co...
Marina Manda Lembranças
Marina Manda Lembranças
Rio é natureza, enquanto Roma é história exposta ao olhar (justamente ao contrário, o Rio costuma destruir sua história, como está acontecendo agora no Cais do Valongo). Rio é uma cidade arquitetonicamente misturada, Roma é pura harmonia renascentista. Em Roma costumo fazer um jogo, paro em uma esquina qualquer, fecho os olhos por um instante, e em seguida começo a girar lentamente a cabeça. Busco flagrar um ponto de desarmonia. Nunca flagrei nenhum.
Sei porém que Bolsonaro não busca a harmonia. Ele se dá melhor plantando o mais completo caos. Uma pena, porque não terá apreciado os afrescos do teto no corredor do apartamento presidencial na Embaixada do Brasil, localizada numa das praças mais lindas da cidade. E também não terá admirado a praça com as suas três fontes majestosas, porque só tem os olhos voltados para os seus comparsas e sua improvável reeleição.
Não foi visitar o Vaticano para não irritar os terrivelmente evangélicos e não perder votos.
Não sei mais quantas vezes entrei naquela igreja, e todas as vezes acariciei o joelho da estátua de bronze de São Pedro, como todo mundo faz. A estátua é muito antiga, veio da catedral anterior e é atribuída a Arnoldo di Lapo. O joelho dela já está brilhante e consumido de tantas mãos que o acariciam.
Não fui uma única vez a Roma sem ir à Piazza San Pietro. Faço questão de escrever em italiano o nome dessa estupenda praça desenhada por Bernini no século XVII. Tive uma artimanha com meu pai: quando precisávamos lavar o carro dele, íamos para a praça e posicionávamos o carro a favor do vento debaixo do jato d’água em uma das duas fontes, bastavam 20 minutos e o carro estava lavado e impecável. Naquele tempo ainda não era proibida a entrada de carros na praça, nem havia tantos turistas e peregrinos.
Bolsonaro não foi à Fontana de Trevi jogar uma moeda de costas para a fonte, provavelmente por se sentir desenturmado, e possivelmente por não desejar voltar à cidade que foi palco da sua vergonha e do seu desapreço internacional. Teria ido se se lembrasse que a praça frente à fonte abrigou durante anos o apartamento do ator Burt Lancaster. Mas não, lembro agora que o capitão é homofóbico.
Eu teria ido e cumprido o ritual da moeda, para garantir que voltaria a Roma. E para lembrar o filme de Fellini "La dolce vita", em que Anita Ekberg e Marcello Mastroianni mergulham na fonte e interpretam uma cena de amor molhado e inesquecível.
Nem foi ao Coliseu palco de enfrentamento e morte, coisas de que ele tanto gosta. Só passeou frente à Embaixada como faz no cercadinho diante do Planalto para falar com apoiadores, mas em Piazza Navona não havia nenhuma ema para ele exibir a caixa de cloroquina.
Na terça-feira, mesmo dia em que escrevo, a delegação brasileira cerziu um encontro com o senador Matteo Salvini, líder da Liga Norte, partido de extrema direita italiana, para ir com Bolsonaro homenagear os combatentes brasileiros mortos na Segunda Guerra. Possível que ninguém, nem os participantes do Itamaraty, tenha se dado conta de que seria uma extrema gafe? Em Pistoia estão os brasileiros que deram a vida lutando contra o fascismo. E não só Bolsonaro tem atitudes fascistóides – mas como presidente teria que comparecer à cerimônia – como Matteo Salvini é xenófobo e fascista de carteirinha.