Marina Manda Lembranças F ui assistir ao documentário “Ziraldo – era uma vez um menino”, exibido na 45º Mostra Internacional de Cinema em se...
Marina Manda Lembranças
Marina Manda Lembranças
Fui assistir ao documentário “Ziraldo – era uma vez um menino”, exibido na 45º Mostra Internacional de Cinema em sessão especial, e dirigido pela cineasta Fabrizia Pinto, filha do Ziraldo.
Foi muito emocionante.
O documentário foi feito alternando obras e desenhos com depoimentos e entrevistas dadas pelo próprio Ziraldo ao longo de mais de 40 anos. É biográfico mas não é linear.
Lembrei quando, em 1963, fomos colegas de trabalho no Jornal do Brasil, ele contratado para fazer charges políticas e eu como redatora do Caderno B. Havíamos nos conhecido antes disso, apresentados por Millôr Fernandes, que ele idolatrava, como confessa mais de uma vez no documentário. Aparecem lado a lado na redação do Pasquim, em várias cenas. Serviu também para relembrar Millôr jovem como quando o conheci na praia de Ipanema.
Ziraldo aparece de maneira alternada – mas nunca aleatória – criança em fotografias antigas, adolescente também em fotos, jovem, maduro, mais maduro, e como está atualmente.
Excetuadas as fotos de criança e adolescente, fomos muito amigos, eu prefiro dizer cúmplices, em todas essas fases.
O filme reavivou a memória da primeira vez que fui à casa de Ziraldo e Vilma. Moravam ainda naquele prédio alto em frente à praça do Leme. Antonio ainda não tinha nascido. O apartamento era bem pequeno – lembro de ter reparado que o varal de teto estava instalado no banheiro – mas Ziraldo dava guarida a qualquer desenhista mineiro que chegasse ao Rio desamparado. Tenho ainda nos olhos a lembrança de uma cena que presenciei, Ziraldo dando um estojo de lápis de cor a um jovem desenhista e ele, desconfiado como costumam ser os mineiros, respondendo: “porque você não usa mais, está me dando?”. Ao contrário, Ziraldo estava dando o estojo de pura generosidade, pensando que o outro não tivesse lápis de cor de tão boa qualidade.
O documentário mostrou a evolução do desenho do Ziraldo. A princípio canhestro – ele vai querer me matar quando souber que escrevi isso dos desenhos dele – vai melhorando até o traço alcançar uma vibração única e mais individual que uma assinatura. Este traço se tornará a marca do Ziraldo.
Ele então conta em um depoimento ou talvez numa entrevista, que quando está falando ao telefone, portanto ocupado com outra coisa, e rabisca – Ziraldo tem sempre um bloco de desenho ao alcance da mão – acaba desenhando o mesmo homem triste. Perguntou a si mesmo de onde vem esse rosto triste, já que ele é tudo menos triste ou melancólico. E mostrou vários desenhos para provar que o homem que desenha quando está distraído é indubitavelmente triste. O público também se perguntou de onde vem tamanha tristeza. E, assim como Ziraldo, ficou sem resposta.
Ziraldo também falou como concebeu Flicts, a meu ver sua obra maestra.
Foi convidado/intimado pelo editora Expressão e Cultura a escrever e ilustrar um livro infantil. Mas o prazo que lhe deram era muito curto. Chegando em casa o futuro autor começou a pensar. Pensou que um livro seduziria as crianças, se tivesse muitas cores e poucas, pouquíssimas, palavras. Começou a rabiscar com os indefectíveis lápis de cor. E não demorou muito a nascer Flicts, a cor que não encontra seu lugar no arco íris. Assim como tantas crianças parecem não encontrar seu lugar na própria família.
O roteiro fez um excelente trabalho de costura e contribuiu muito para o sucesso do filme. Faço questão de citar as duas roteiristas, Fernanda Polacow e Júlia de Abreu.
Este é um documentário prevalentemente feminino. Talvez – apenas talvez – por isso foi tão emocionante.