Marina Manda Lembranças V amos falar do passado, porque o presente está tão conturbado que é mais prudente agir como caranguejo e voltar par...
Marina Manda Lembranças
Voltamos aos anos 50. Foi quando conheci a namorada oficial do meu irmão Arduino. Nós três adolescentes. Frequentávamos a praia do Arpoador, e nos abrigávamos do sol inclemente debaixo de uma tenda que eu havia desencavado em um canto qualquer da mansão do Parque Lage onde, naquele momento, meu irmão e eu morávamos.
Continuamos morando lá durante muitos anos.
Quando festejamos bodas de ouro de amizade com a namorada do meu irmão, compramos um anel uma pra outra, e fomos a um restaurante brindar com uma taça de champanhe a meio século de sororidade.
Semana passada reencontrei uma amiga querida que não via há muito. Ela me lembrou que nos conhecemos quando ambas frequentávamos a Cultura Inglesa que, naquele tempo, ocupava uma casa cor de terracota no Posto 6 de Copacabana, onde agora surge o shopping Cassino Atlântico.
Lembro que havia uma amendoeira gigante na praia, onde, justamente na hora da aula, cantava uma multidão de pássaros. Ficava difícil para mim, atraída pela cantoria, prestar atenção nos verbos irregulares.
Depois da Cultura, meu irmão, a primeira namorada dele e eu, fazíamos uma parada estratégica numa padaria para comer sonhos. Depois rumávamos para a casa de uma amiga, onde aprendíamos a dançar. A dança da moda era, se não me engano, o cha-cha-cha.
A Joaquim Nabuco era tão vazia naquele tempo - só havia um edifício – que jogávamos vôlei na calçada, atando a rede a uma grade de jardim e a outra ponta amarrávamos ao tronco de uma árvore.
A casa da amiga foi destruída por nós mesmos. Vendida pelo pai de porteira fechada, ficamos furiosos por termos perdido nosso refúgio. E resolvemos depreda-la. Fim de tarde, já escuro, entramos sorrateiros no jardim. Faziam parte do grupo, o meu primeiro namorado – sim, também eu havia começado a namorar – Bea Feitler, então jovem designer que viria a fazer sucesso no futuro, e nossa amiga dona da casa.
Entramos sorrateiros, mas logo ficamos de prontidão. Jogamos uma cama pela janela. Bea, armada de um porrete que havia arrancado da escada, despedaçou um vitral. Precisávamos agir com rapidez, porque logo os vizinhos perceberiam que havia invasores na casa e chamariam a polícia. Quebramos a pia do banheiro, os azulejos da cozinha, os mármores e o espelho da sala de jantar. E, tendo depredado quanto possível no tempo tão curto de que dispúnhamos, nos mandamos em fuga desabalada. E gritamos Vitória!! quando nos vimos na calçada.
O pai ficou furioso com a gente, mas teve que arcar com o prejuízo sozinho.
Subíamos na crista da rocha e ficávamos admirando as arraias que passavam ondulando as asas na água transparente. Proeza era dar a volta completa do Arpoador e desembarcar na praia do Diabo. Eu fiz essa proeza mais de uma vez, mas tinha muito medo de ver aparecer um cação entre as espumas.
Meu irmão se superou. Deu a volta à noite, tendo a luz da Lua cheia como única companhia.
Eu e meu irmão íamos para a Barra de lambreta mergulhar no navio afundado, quando a Barra tinha somente um caminho estreito de terra, cheia de mato nas beiras. A gente sabia onde ficava o navio afundado porque, olhando ao longe, os dois morros que surgiam no horizonte formavam uma corcova de camelo. E lá íamos nós mergulhar na água gelada.