Marina Manda Lembranças O lho as cadeiras metálicas do terraço e percebo que estão descascando. A vida, por vezes, descasca. Descasca quando...
Marina Manda Lembranças
A vida, por vezes, descasca. Descasca quando sofremos de abandono, quando não temos autoestima suficiente para encarar os projetos de vida que nós mesmos fizemos, quando somos vítimas de violência –seja física ou psicológica –, quando estamos sendo perseguidos pelas redes sociais ou pelas malhas políticas, quando abocanhamos o anzol de um novo amor que, adiante, se revelará escamoso.
O Brasil está descascando por inteiro. Descasca quando PMs, que deveriam proteger a população, invadem uma casa e se instalam nela durante três meses. Não só se instalam, como começam a roubar. A princípio pequenas coisas, como perfumes e bijuterias, provavelmente para levar para namoradas e esposas. Depois, perderam a vergonha e quando a moradora voltou para casa não encontrou chuveiro, o fogão havia sido levado, assim como o botijão e as lâmpadas, e os interruptores e as tomadas tinham sido arrancados. Não deixaram nenhum, nem que fosse para lembrar os outros, defuntos.
O Brasil descasca quando os garimpeiros envenenam os rios com mercúrio, envenenam os peixes com mercúrio e envenenam os povos originários com o mesmo mercúrio com que envenenam os peixes, de que eles se alimentam. Com a colaboração transversal, disfarçada, do governo. Os Yanomami apresentam o nível mais alto, 92%, de contaminação por mercúrio.
O Brasil descasca sobretudo quando o presidente Bolsonaro faz discursos afirmando, sem provas, que as urnas eletrônicas não são confiáveis. E quando ele injeta na mente dos militares a sugestão deles fazerem, privadamente, a contagem dos votos.
O Brasil descasca quando Bolsonaro enfrenta os ministros do Supremo, concedendo indulto ao ex PM e atual deputado federal Daniel Silveira, e o recebe no Planalto, tira uma foto com ele empunhando uma cópia emoldurada do perdão presidencial, somente um dia depois dele ter sido condenado pelo STF a oito anos e nove meses de prisão.
O Brasil descasca quando o governo do DF pede a devolução da tornozeleira eletrônica de Daniel Silveira, que está desligada desde o dia 17 por suposta bateria descarregada. Mas ele mesmo admitiu, em entrevistas, que deixou de usa-la desde a Páscoa.
O mundo inteiro está descascando.
Prova de que lascas de tinta estão se desprendendo do conjunto, é a guerra da Ucrânia. E a declaração do chanceler russo, Sergey Lavrov, justificando a “desnazificação” da Ucrânia usada por Putin como desculpa para invadir o país: “Acho que Hitler tinha origens judaicas (...) Por muito tempo agora, ouvimos o sábio povo judeu dizer que os maiores antissemitas são os próprios judeus.” O ministro de Relações Exteriores de Israel, Yair Lapid, convocou o embaixador da Rússia, exigindo um pedido formal de desculpas.
Outra prova de que lascas de tinta estão se soltando é o calorão de até 50º, que está fazendo na Índia e em partes do Paquistão, atingindo ao todo mais de um bilhão de pessoas. E prejudicando as colheitas de trigo da Índia, segundo maior produtor de trigo do mundo.
Enquanto estamos focados na guerra deliberada que a Rússia está travando contra a Ucrânia, e no novo surto da pandemia na China, o aquecimento climático global avança e acabará torrando o planeta Terra, nossa casa, nosso único refúgio. Temos cada vez menos tempo para dar conta desse aquecimento.