Marina Manda Lembranças N o domingo fui almoçar na Gávea Pequena, numa casa que eu conheço há anos. E vi que nada havia mudado no Alto da T...
Marina Manda Lembranças
No domingo fui almoçar na Gávea Pequena, numa casa que eu conheço há anos. E vi que nada havia mudado no Alto da Tijuca.
Minto. A casa de que fui íntima mudou. Abriram uma janela enorme na parede redonda, onde havia três janelas estreitas como seteiras. E havia móveis e quadros novos. Pelo menos a longa mesa e a lareira continuavam dominando a sala.
Fui interna durante um ano, que me pareceu interminável, no Colégio Santa Marcelina. Íamos passear no Açude da Solidão e admirávamos a mansão do Barão do Bom Retiro. Palmilhávamos as estradas de terra do Alto, trajando um uniforme que a mim sempre pareceu de órfãs. Vejam se eu não tinha razão: uma blusa branca e um vestido sem mangas e sem gola – tipo overall – marrom, meias grossas beges e sapatos marrons atados.
Naquele tempo o Colégio era somente internato e só acolhia meninas. Lembro que, em dias de chuva, quando no recreio não podíamos jogar voleibol ao ar livre, íamos brincar no terraço situado no alto do prédio, uma menina, cujo nome não escrevo para não ferir intimidade, menina cujo irmão estava interno no Colégio São José, distante, mas correspondendo à fachada do Santa Marcelina. Essa menina atava um lenço branco à grade do terraço, e o irmão dela fazia o mesmo. Era a maneira dos dois se comunicarem e não se sentirem sozinhos. Os dois irmãos não tinham permissão do pai para sair dos respectivos colégios, e se consideravam órfãos desde que a mãe havia morrido. Não sabiam que o pai, em vez de prantear a esposa falecida, havia se casado outra vez e assumido os dois filhos da nova mulher. Os irmãos estavam sequestrados, cada um no seu colégio, para não atrapalhar o novo casamento do pai.
Não sei como eu tomei conhecimento desse enredo, mas foi a história mais triste dos meu tempos de internato .
Agora o Santa Marcelina é misto, como são os outros colégio religiosos. Não se limita ao internato, hoje os alunos tem horários normais de aula. E ao fundamental e ao médio foi acrescentada a Faculdade, dando mais ênfase ao ensino completo.
Fui procurar no Google o Santa Marcelina e me comovi com as fotos da capela onde fiz a Primeira Comunhão.
Porque eu era ainda muito baixinha, as outras meninas não me permitiam jogar voleibol no recreio. Quando contei isso em família – parte da família ainda morava na mansão do Parque Lage – um primo do meu pai, que sempre chamei de tio, me deu de presente uma bola. Esforço inútil! As outras meninas tomaram minha bola, e dali até o ano letivo acabar, fui impedida de jogar voleibol.
Minha dupla vingança foi alcançar 1m e 70 e jogar numa rede estendida sobre a areia da Praia do Diabo.
Não cheguei a visitar a pracinha do Alto no domingo em que fui almoçar na casa da minha amiga, mas sei que também mudou. Antes uma praça cercada de sobrados com jardim na frente, agora tem um bar que serve fondue “e um prato exclusivo de avestruz com destilados”. Não estou fazendo publicidade gratuita para o restaurante, escrevo porque tenho pena dos avestruzes inocentes.
O bar alega ter 78 anos de experiência gastronômica. Quer dizer que aos 12 anos, quando passava pela pracinha para ir à cidade pelo outro lado, o restaurante não existia. Quando falo em outro lado, refiro-me ao lado oposto da rota que meu pai tomava quando me levava de volta para o Colégio. Ia sempre pela estrada que passa pela floresta da Tijuca.
A única coisa que continua igual no Alto da Tijuca é a casa da avó de outra amiga, minha xará. Toda a família dessa avó exemplar passava os três meses de verão na casa dela, quando ainda não existia ar condicionado.
Quando ainda existiam bondes tomei um, para chegar à cidade pelo outro lado.