Marina Manda Lembranças M oro em cobertura. E no meu terraço há um mínimo jardim. Plantas ou arbustos de azaleias de que eu mesma cuido, adu...
Marina Manda Lembranças
Nesse jasmim mora um casal de passarinhos, cor da cinza quando a brasa se prepara para dormir. Disse que moram, não disse que eles fizeram ninho no jasmineiro. O ninho, eles fizeram do lado oposto, atrás de uma grade de madeira que os protege.
A diarista me disse que eles tiveram filhotes. Eu não vi e, se vi, devo tê-los confundido com os pais.
Vocês não sabem o privilégio que é acordar e, pela janela entreaberta, admirar um deles, ou ambos, saltitando de galho em galho do jasmim florido. Aspirar o perfume da flores também é um privilégio.
No passado, tive um casal de bem-te-vi que fez ninho numa madressilva. E quando a dupla se reproduziu, o pai ou a mãe – e impossível saber distinguir um do outro quando não se é veterinário – mergulhavam para bicar quem estivesse regando o jardim. Era a forma que eles tinham de proteger suas crias.
Moro em cobertura desde os 28 anos. E quando me casei, aos 31, Affonso e eu começamos a procurar casa para nidificar. Na minha cobertura morávamos eu e a filha que havia tido de outra relação. Casados, pretendíamos ter mais filhos. E o apartamento ficou pequeno para a nova família.
Eu só procurava coberturas. E a maioria das visitas acabava dando com os burros n’água. Até que Affonso me perguntou: “Por que você só quer morar em cobertura?”
Ele que vivia há pouco tempo comigo, não podia saber como era repousante e, até mesmo comovente, sentar no terraço e admirar o mar, que ao nosso imaginário parece infinito e não acaba onde acaba o horizonte.
Nem podia saber como era divertido jantar no terraço no verão, à luz de velas. Descobri que era necessária uma cobertura qualquer – um toldo estendido basta – porque o céu cheio de estrelas pesa muito na alma e nos deixa desamparados.
Da minha, vejo outras coberturas. Mas ninguém, janta ao ar livre no verão, porque os cariocas desconhecem o truque do toldo estendido e se sentem abandonados pelos deuses do calor.
A primeira providência que a pessoa toma quando compra uma cobertura é mandar instalar uma piscina. Que seja pequena pouco importa. É uma regra nacional: cobertura tem que ter piscina!
Do meu terraço vejo piscinas alheias. Algumas estão com água parada, verde de limo, juntando larvas de mosquito. Outras foram prudentemente esvaziadas. Outras foram usadas somente nos primeiros meses, depois, nunca mais!
Eu jurei nunca ter piscina. Se tanto, tive uma piscininha inflável para minhas duas filhas brincarem na água. Sempre preferi tomar banho, ou nadar, no mar. Me chamo Marina, tenho mar no nome e no coração.
Continuo me comovendo com o mar, com o conjunto das ilhas Cagarras, que surgem à minha frente quando as olho do meu terraço.
E continuo me comovendo quando o sol se põe entre o morro Dois Irmãos, com um fulgor vermelho como uma labareda iluminando o oceano.
Continuo jantando ao ar livre no verão, preferentemente à luz da Lua, tomando o cuidado de abrir o toldo para não me sentir abandonada pelos deuses do calor.