Marina Manda Lembranças E stou lendo um livro de Pirandello, "O falecido Mattia Pascal" que peguei na estante e que nunca havia li...
Marina Manda Lembranças
Reza a lenda que "O falecido Mattia Pascal" foi escrito nas noites passadas ao pé da cama da mulher, Maria Antonietta, que estava com paralisia nas pernas e tinha perturbações mentais.
Duvido muito que Pirandello escrevesse um livro tão complexo, que contêm grande parte da sua filosofia, ao pé da cama de uma mulher que era dada como louca. Tanto era louca, que muitos anos mais tarde, Pirandello, cedendo aos apelos da família e de parentes da mulher, internou Maria Antonietta num manicômio, onde morreu aos 88 anos.
Por isso, Pirandello estudou muito a loucura, o que o levou a aproximar-se da psicanálise.
"O falecido Mattia Pascal" foi inicialmente fragmentado em capítulos numa revista e, em 1904, foi editado. Era seu primeiro grande sucesso. Só de público porém, porque a crítica não soube ver aquilo que havia de tão inovador no livro.
Qual era a filosofia de Pirandello que dá consistência literária a esse livro? O tema da identidade, e da sua perda. Fratura entre ser e parecer, ausência da consciência.
Em 1922, esse poeta, escritor, ensaísta passa a se dedicar somente ao teatro. Escreverá 40 trabalhos teatrais, a última peça deixará inacabada.
E, em 1934 ganha o Prêmio Nobel de literatura, que o torna um expoente literário.
Dois anos depois, estava assistindo em Cinecittà às primeiras tomadas do filme extraído do seu livro "O falecido Mattia Pascal", quando contraiu pneumonia. Internado, disse ao médico que tentava salva-lo, "Não tenha tanto medo das palavras, doutor, isso se chama morrer".
Pirandello gostava de brincar com as palavras e tinha uma veia humorística, como fica comprovado no livro "O falecido Mattia Pascal", que mistura humor com as tragédias vividas pelo protagonista. Esse livro é todo narrado em primeira pessoa e começa com uma frase: "Eu sou Mattia Pascal".
O livro traça o percurso de Mattia como um enorme flashback. O protagonista e seu irmão crescem ricos porque seu pai havia ganho no jogo o que lhe permitiu, ao morrer, deixar uma mina de enxofre como herança para os dois filhos e a esposa (Pirandello gostava de misturar a vida real com a ficção literária, seu pai era dono de uma mina de enxofre).
Depois de uma série de aventuras, como engravidar a filha do administrador. E uma sequencia de tragédias que começa tendo que morar com a família da mulher, e culmina coma morte de suas filhas gêmeas. Cansado com sua vida de bibliotecário e desiludido com o casamento, decide ir para Monte Carlo e tentar a sorte na roleta como seu pai havia feito.
Ganha uma bolada e decide voltar para casa. Mas na viagem lê uma notícia, que o leva para outra decisão. Foi confundido com um suicida encontrado na roda de um moinho em completo estado de deterioração, e foi dado por morto.
Abandona a sua identidade, e se passa por Adriano Meis (novamente a substituição de identidade e o jogo de máscaras tão frequentes na obra de Piradello). Adriano girovaga durante dois anos, mas a falta de documentos precipita a sua decisão. Decide voltar para casa como Mattia Pascal. Mas tudo o que encontra mudou.
A mulher, considerando-se viúva, casou e teve uma filha. Mattia volta a ser bibliotecário, mas solitário, porque a comunidade o rejeita. Todos os dias vai chorar na sua tumba, onde está enterrado o desconhecido suicida.
Por isso se repete a frase que dá partida à narrativa, com uma só variante, "Eu sou o falecido Mattia Pascal".