Marina Manda Lembranças T omei um livro ao acaso na estante. Era de Pushkin, “A filha do capitão”. Nada a ver com Bolsonaro, porque qua...
Marina Manda Lembranças
Marina Manda Lembranças
Na primeira página do livro está impressa esta advertência: “A produção deste livro de qualidade literária (...) mas de preço acessível a todas as bôlsas (escrito assim mesmo, com acento circunflexo acima do 'o', o que significa que o livro foi editado antes do Acordo Ortográfico) foi conseguida graças à colaboração de José Luiz de Magalhães Lins, um banqueiro a serviço do Brasil e dos interesses nacionais”.
Ainda bem que existia a Biblioteca Universal Popular acessível a todas as bolsas. Agora, a cultura está à deriva. E os livros deixaram de ser alcançados por todos os bolsos.
Achava que nunca havia lido este romance. E não lembrava nada do que ia lendo, quando, na página 100, me deparei com uma surpresa.
Eu havia lido este livro! E o havia marcado com o recibo do pagamento do Jornal do Brasil onde, desde que fui contratada, trabalhava no CadernoB. O recibo é pelo que eu pude entender – porque está um pouco apagado – de 1969, e é em nome de Marina Colasanti, e grafado está meu antigo endereço, Rua Prudente de Moraes, número tal, cobertura 01.
Só em 31, casando com Affonso, eu acrescentaria Sant’Anna ao meu nome e mudaria de endereço.
O recibo é em nome da Banco Nacional de Minas Gerais, BNMG. Justamente o banco de que era dono José Luiz de Magalhães Lins. Se não me engano, porque nunca troquei de banco, deu no Unibanco, depois no Itaú e, quando se fundiram ou quando um comprou o outro – não entendo muito de bancos – resultou o Itaú Unibanco.
Fui ver quem havia feito a capa, levemente desconfiada. Acertei! A capa era do meu amigo Eugênio Hirsch. Uma frase sempre lembrada de Hirsch: “A capa é feita para agredir, não para agradar”. Agredir não significava ódio, como está virando moda nas redes sociais, significava sequestrar o olhar do possível leitor.
Fui íntima de Eugênio, quando era casado com Pancha, uma dançarina e coreógrafa argentina. Os dois moravam à beira da Avenida Niemeyer, numa casa com uma vista entusiasmante. Mas no quarto do casal não havia vista nenhuma, uma parede impedia o panorama de entrar.
É que no quarto dos dois a cama de casal era ao nível do chão, com o colchão afundado dentro de uma estrutura de madeira, com pés e tudo. E à beira do colchão, no mesmo nível, havia uma piscina. De modo que os dois pudessem transar na cama e, depois, rolar pra piscina e continuar transando, ou não.
Ambos se locomoviam na Avenida Niemeyer a bordo de um Jaguar vermelho aberto. E era uma alegria vê-los, os dois de cabelos ao vento, Hirsch, austríaco, tinha o cabelo liso como um índio brasileiro, Pancha nem tanto.
Depois se separaram, acabou a alegria, acabou a casa, suspeito que tenha acabado a piscina.
Quando acabei de ler “A filha do capitão” examinei a estante e, esticando os dedos pesquei um livro. Que, como o anterior, achei que não tinha lido. Infelizmente não eram poemas, de quem tenho um livro sempre ao alcance da mão, “MONTALE tutte le poesie” – o meu exemplar é italiano.
Eugenio Montale, poeta e Prêmio Nobel de Literatura italiano, havia escrito um dos seus raros livros em prosa. “A borboleta de Dinard” é uma coletânea de lembranças, histórias, e anotações.
E, sim, como o anterior, já o havia lido, apesar de não lembrar nada do que lia.
Quando fui procurar os tradutores, porque achei a tradução péssima e me surpreendi que a Nova Fronteira a aceitasse, eu estava entre os cinco tradutores. Devo ter traduzido os últimos capítulos, que não achei tão ruins!
E, sim, como o anterior, já o havia lido, apesar de não lembrar nada do que lia.
Quando fui procurar os tradutores, porque achei a tradução péssima e me surpreendi que a Nova Fronteira a aceitasse, eu estava entre os cinco tradutores. Devo ter traduzido os últimos capítulos, que não achei tão ruins!