Marina Manda Lembranças V ejo que meningite agora tem vacina. Quando eu tive, aos oito anos, não havia vacina. Fui salva pela penicilina, an...
Marina Manda Lembranças
Marina Manda Lembranças
Fui salva pela penicilina, antibiótico daquele momento, que foi trazida pelo exército americano e estava sendo vendida no mercado negro.
O conde Vinci, amigo da minha mãe, homem corpulento e alto, se empacotou para caber na sua Fiat Topolino, pequena como um camundongo, e partiu para ver se achava penicilina no mercado negro (percebo que essa denominação é racista, mas assim se chamava o mercado de cigarros, e de meias de seda).
Felizmente encontrou, senão não estaria escrevendo esta crônica.
Fui salvada pela penicilina, mas, semanas depois de adoecer tive um esgotamento nervoso por causa da meningite, que me impediu de ir à escola durante o restante no ano letivo. Do que muito aproveitei!
Tive o primeiro incidente pulmonar aos seis anos. Ainda não havia vacina para pneumonia. Não era pneumonia mas meus pais ficaram alarmados que evoluísse para pneumonia. Seria morte certa, porque ainda não existiam os antibióticos.
Lembro que estava na cama e via toda embaçada a imagem do meu irmão Arduino, que voltava do colégio onde tinha feito a primeira comunhão. Estava todo vestido de branco, calça curta e blazer, tinha uma flor na lapela, mas eu o via como se dentro de uma névoa. Ao fundo o Duomo, Igreja católica, que tinha cravado um “fascio”, símbolo do regime fascista.
Lembro da minha mãe na fila para entregar a aliança. As mulheres depositavam a aliança dentro de um capacete mantido em posição por três fuzis cravados no chão.
Meus pais me mandaram à casa de um casal amigo, que adorava crianças mas não tinha filhos. A casa do casal ficava próximo à fronteira da Itália com a Suíça.
Eu deveria ficar nessa casa dois meses, por causa do clima de montanha, até me recuperar totalmente.
Minha mãe vinha me visitar uma vez por semana. Tomava chá sem biscoitos com a dona da casa, porque naquele momento da guerra estava racionada a farinha de trigo e a manteiga, lembro quando um ovo passou a custar uma lira a demonstração que provocou no armazém em baixo do nosso apartamento.
Quando minha mãe ia embora, eu corria atrás do ônibus que a levava para Como, a cidade onde a família morava, até aguentar a corrida.
Me sentia intrusa naquela casa, apesar do afeto do casal. Via o andador do casal e me parecia um inseto, sobre o chão luzidio. Sentia falta do meu quarto que dividia com meu irmão e sentia falta dele que me levava ao colégio, indo depois para o seu. Sobretudo, era meu companheiro de leituras. Naquela casa distante havia fartura de livros, mas todos eram destinados a leitores adultos.
A empregada do casal ia passear comigo até a fronteira. Era uma longa caminhada. Ela ficava falando com o guarda alfandegário. E eu ficava olhando para a paisagem da Suíça, onde seria uma menina feliz, livre da guerra, porque a Suíça era um país neutro.
Menina pequena, não sabia se era da Itália ou da Suíça, mas presumia que fosse da Suíça, para me sentir mais tranquila.
Afinal, depois de tanta estranheza, passaram os dois meses. E pude voltar com minha mãe no mesmo ônibus do qual, tantas semanas, havia corrido atrás.
Depois foi Como, a neblina do lago, o fim da Segunda Guerra, e os soldados aliados transitando pela Itália como se lhes pertencesse. E lhes pertencia, porque a haviam conquistado.