Marina Manda Lembranças N o sábado havia acabado de ler a crônica de Agualusa que falava de um livro “Me chamem Cassandra”, a ser lançado br...
Marina Manda Lembranças
Marina Manda Lembranças
Cassandra é a pitonisa da mitologia grega. Recebe de Apolo o dom da profecia, mas por não ter correspondido ao seu amor, Apolo a condena a não ser mais acreditada nas suas previsões.
“Onde vão os dias que passam? – escreve Agualusa – Será que desaparecem como a mulher do mágico, no circo? Contudo, a mulher do mágico não desaparece, apenas muda de lugar. Desaparece no interior de uma caixa, para, decorridos breves instantes, saltar sorrindo de dentro de outra.”
Acha Agualusa que com os dias aconteça algo semelhante. Inocentes dizemos que passam. Mas talvez estejam guardados numa caixa, prontos a pular fora e se revelar a nossos olhos incrédulos.
A partir de crônica dele, passei a pensar e filosofar sobre o tempo.
Sabemos que o tempo é um conceito primitivo ligado à experiência, e interpretado como um sucessão ilimitada de instantes, mas possível de ser medida. No espaço sideral não existem relógios, mas o tempo existe.
Mas, se o tempo é um conceito primitivo, como passa de uma caixa para outra? Da caixa da velhice, para a caixa da juventude, onde será prontamente aproveitado.
Os dias por vir são uma incógnita para todos, menos para Cassandra.
Acho que o tempo é a suprema invenção do ser humano para enfrentar a vida e viver a morte.
Tão curta é nossa vida, que não aguentaríamos vive-la plenamente se não tivéssemos inventado o tempo.
Basta pensar na nossa infância, demoramos tanto a crescer, demoramos muito a alcançar as prateleiras de cima na cozinha para chegar às guloseimas que desejamos.
E quanto demoramos para chegar à juventude e sofrer de amor, ou por amor?
Quanto demoramos para realizar nossos sonhos, prefiro dizer projetos, porque sonhos são feitos de nuvens. E os sonhos como diz Calderón de la Barca em seu lindo poema “A vida é um sonho”, “sueños son”. Os projetos são mais estruturados, mais bem concebidos, mais fáceis de realizar.
Ainda assim quanto tempo levamos para realiza-los. Há seres humanos que morrem sem conseguir realizar seus projetos, sobretudo quando os projetos não estão de acordo com as condições e o talento de quem os idealizou.
Agualusa termina a crônica da seguinte forma: “Suspeito que a melancolia que o romance de Marcial Gala (este é o nome do autor, e me penitencio por ter dito o título do romance e não ter dito o nome de quem o escreveu) instala em quem o lê não tenha tanto a ver com o drama anunciado – o assassinato de Raul (personagem principal) nos confins de Angola – e sim com a implacável clarividência de Cassandra. Como pode ser feliz quem já conhece todos os dias que hão de vir?”
Eu acho o contrário. Que os dias por vir estabelecem em alguns seres humanos um estresse indizível. A pessoa não sabe se o negócio em que se meteu, tomando empréstimo no banco, vai dar certo ou naufragar. Outra pessoa não sabe se vai ser despejada. Outra não sabe se vai ser demitida, e anda tão difícil arrumar emprego! Outra, que nem eu, não sabe se o livro que está escrevendo vai conseguir se fazer ao largo, ou vai ser criticado.
Enfim, o futuro é mais motivo de angústia do que de felicidade. O ser humano, desde o momento em que nasce está com a morte guardada no coração.