Marina Manda Lembranças F ui assistir Pinóquio, filme dirigido por Guillermo del Toro e Mark Gustafson, do qual Guillermo é o principal idea...
Marina Manda Lembranças
Mas quanta diferença do livro de Collodi que traduzi!
Foi introduzido Carlo, filho de Gepeto, que não tinha filho nenhum. A madeira usada para fazer Pinóquio não foi plantada por uma pinha, nem derrubada por Gepeto depois que o filho dele morreu num bombardeio. No livro, era uma acha de lenha qualquer, dada a ele por mestre Cereja, que se surpreendeu vendo uma tora que falava como criança.
O titeriteiro Tragafogo foi substituído por Da Valle, impiedoso sem limites, enquanto Tragafogo quando se emocionava, espirrava. E dá vários espirros quando Pinóquio, num gesto heroico, se oferece para ser queimado na fogueira em lugar de Arleguim.
Desapareceu a Menina, ou fada, dos cabelos azuis, trocada por duas figuras igualmente azuis. Uma benfazeja que resolve todos os problemas de Pinóquio, como a Fada, e outra, em feitio de esfinge, encarregada de reviver Pinóquio, que morre muitas vezes. Quando ele morre, sempre tem coelhos negros que jogam cartas sem dar nenhuma importância para o morto. No livro, aparecem pretos como nanquim e carregam um pequeno caixão.
Quando Collodi manda os primeiros capítulos da história para o editor Ferdinando Martini, escreve-lhe uma carta “É uma história para crianças. Mas se você a publicar vai ter que me pagar muito bem”.
Escrita em capítulos para o Giornale per i Bambini, no capítulo 15 Colllodi para, como era sua intenção desde que havia começado a história. Pinóquio morre enforcado pelo gato (falso) cego e pela raposa. Que não aparecem no filme de Guillermo.
Mas chegam à redação tantas cartas de admiradores, que Collodi é obrigado a retomar, e faz novo contrato com o editor. A primeira fase se chamava “Storia di um burattino” (história de uma marionete). A segunda fase, que chega aos 36 capítulos, vai se chamar “As aventuras de Pinóquio”.
O nariz de Pinóquio só cresce quando a Fada lhe pergunta onde estão as moedas e ele mente seguidas vezes. A Fada bate palmas e aparece um bando de pássaros que roem o nariz de Pinóquio devolvendo-o ao tamanho normal. No filme o nariz da marionete cresce a cada mínima mentira.
No livro Pinóquio atira um martelo no Grilo-Falante, que lhe esmaga a cabeça. Depois o Grilo aparece como sobra, e volta a dar conselhos a Pinóquio que não os segue. E por fim aparece como doutor à cabeceira do fantoche moribundo, e é o mais sábio dos três médicos. No filme o Grilo está sempre vivo, embora aplastrado seguidas vezes, o que remete ao martelo.
O filme comete um outro erro. À maneira de Disney troca uma baleia por um tubarão ferocíssimo. E esquece de mandar Pinóquio atirar-se ao mar para salvar Gepeto, que está navegando num barco, ameaçado pelas ondas, à procura do filho.
O livro se passa num tempo imaginário, como a maioria dos contos de fadas. Guillermo a situou na Itália fascista. E Mussolini aparece como personagem, atarracado e gordo como um saco de farinha.
“O fascismo é algo que me preocupa, porque é algo ao qual a humanidade tenta voltar. Sempre vi isso, está sempre vivo no fundo ou em primeiro plano”.
O fascismo é uma preocupação de Guillermo, que já o havia abordado em A Espinha do Diabo, filme de 2001, cujo assunto transcorre durante a guerra civil na Espanha. E também em O Labirinto do Fauno, filme de 2006, cuja ação se passa em 1944, quando o general Franco já era ditador.
Guillermo disse que queria fazer um Pinóquio desobediente. Mas ele é mais do que desobediente no livro!!