Marina Manda Lembranças E stou lendo um livro de Svetlana Aleksiévitch, “Meninos de zinco”, jovens que voltavam da guerra...
Marina Manda Lembranças
O livro é todo de depoimentos, de homens e mulheres. Ao contrário de: “A guerra não tem rosto de mulher” em que a autora colheu só depoimentos de mulheres que foram à frente da Segunda Guerra.
Fala-se muito em matar, matar, matar. Atirar uma granada para explodir um batalhão, dar uma rajada de metralhadora para assassinar um indivíduo. Um depoimento fala em matar para não morrer, a vida de um inimigo pela sua, mais vale a vida no inimigo já que estão lutando em lados opostos. Há um depoimento de um piloto de helicóptero que fala das mãos que continuam machadas de sangue. Há outro depoimento que conta que dois soldados mataram um velho e um burrico, quando o depoente pergunta porque mataram gente tão inocentes os soldados respondem, que no dia anterior apareceram com um militar e que os dois, velho e burrinho passaram incólumes, e o militar caiu morto com um tiro. Não eram tão inocentes.
Há trechos assinados pela autora, quando ela recebe um telefonema e interage com quem deu o telefonema.
Eu tive meu torrão de guerra, mas não matei ninguém. Pudera! Era muito criança para empunhar uma arma e atirar em alguém. Quando a Segunda Guerra começou, em 1940, eu tinha três anos, e quando acabou, em 45, eu tinha oito anos.
Ainda assim, da varanda da minha casa vizinha a Como, assisti a uma cidade próxima pegando fogo. A inteligência aliada havia descoberto que debaixo da praça estava escondido um depósito de combustível. Uma patrulha de aviões foi lá e bombardeou. Eu ia justamente voltando para casa quando o bombardeio começou. A última parte do trajeto fiz sentindo a terra tremer debaixo dos meus pés.
Quando a amiga com quem fui jantar domingo, perguntou de quem eu tinha herdado o anel, respondi que da minha mãe, era de ouro falso e eu o transformei em prata. Esqueci de dizer que foi na guerra que minha mãe fez esse anel. O ouro era destinado ao “esforço de guerra”. Lembro da minha mãe na fila, para entregar a aliança, escrito no meu livro “Minha guerra alheia”.
Eu perguntei ao meu pai se, nas tantas guerras de que ele havia participado, havia matado algum inimigo. Me respondeu: “quando a gente está atrás de uma palmeira, e atira, se o inimigo cair pode ser que ela esteja ferido, ou morto. A gente não vai lá verificar. Posso ter matado muitas pessoas, posso não ter matado”.
Por ocasião da guerra das Malvinas, em que este arquipélago era disputado pelo Reino Unido e pela Argentina, meu pai apareceu no meu apartamento – morava na fazenda naquele momento – e me confidenciou: “Eu iria para a guerra da Malvinas”.
Eu perguntei, “De que lado?”
Ele me respondeu, “De qualquer lado”. E acrescentou, “Marina, você precisa entender que a guerra é bonita para um homem”.
Só há um depoimento como esse no livro “Meninos de zinco”. Começa assim:
– Eu atirava... Atirava como todo mundo. Não sei como isso é organizado, como esse mundo é organizado... Eu atirava...
Nossa unidade ficava em Cabul (...) sobre nós (nos jornais) nem uma palavra, cacete... E no dia anterior, nossos rapazes, umas quarenta pessoas, tinham sido totalmente estraçalhados.