Marina Manda Lembranças V ou falar de amor, porque li hoje uma matéria sobre Annie Ernaux, e não concordo com ela quando escreve como teóric...
Marina Manda Lembranças
As maneiras de amar não são mais o que eram, nem as relações entre feminino e masculino. Entrou o feminismo, a queima de sutiã, depois surgiu o “me too”, e a relação com os homens não foi a mesma. Ainda ganhamos menos que eles. Mas a relação entre os sexos mudou.
Sobrevivi o amor romântico, porém.
A cama, esquina onde o sono, o amor e a morte se encontram. O posto de repouso, o único lugar onde se exerce o sexo – embora se possa fazer sexo contra o armário, ou no chão. Quando a miséria domina e é preciso dormir na rua, faz-se sexo em qualquer calçada, porque sem sexo não se vive.
Sem amor também não se vive.
Uma criança criada sem amor, será sempre retraída ou terá fome de amor. Sofri muito por amor na juventude, como os jovens geralmente sofrem. Os adultos também sofrem por amor, mas não com tanta frequência quanto os jovens.
Não concordo com Annie em sua análise social da paixão. Cito a matéria “são um ‘luxo’ pelo qual somos capazes de fazer qualquer coisa. Elas não servem para construir algo, pois são ‘destinadas a se apagar’. Não há fracasso naquilo que carrega um fim em si mesmo”, escreveu ela num ensaio recente intitulado “Não existe perda do amor”.
Em “Paixão simples”, Annie escreve “Com frequência tinha a sensação de viver essa paixão como se escreve um livro: a mesma necessidade de executar à perfeição cada cena, o mesmo cuidado com os detalhes. E até pensava que não me importaria em morrer depois de ter ido ao limite da minha paixão”. Não morreu apesar de ter ido ao limite da paixão.
“Desde setembro do ano passado, não fiz outra coisa que esperar por um homem: que ele telefonasse e viesse à minha casa”. Esse homem era um diplomata russo casado. Eu também esperei por um homem casado. Mas não tanto tempo como Annie.
Eu já era jornalista. Saia às duas e trinta para chegar na redação às três, e só saia da redação por volta da seis horas ou pouco mais tarde. Estava encarregada de esperar a coluna do Zózimo, corrigi-la e despachar para a oficina. Por isso não tinha tanto tempo. O homem casado passava, de vez em quando, pela porta do meu apartamento e me deixava uns bilhetes desenhados, era muito bom desenhista.
Cito Bauman, em “Amor líquido”: “Se o desejo quer consumir, o amor quer possuir. Enquanto a realização do desejo coincide com a aniquilação do seu objeto, o amor cresce com a aquisição deste e se realiza na sua durabilidade. Se o desejo se autodestrói, o amor se autoperpetua”.
Escreve Catherine Jarvie, no Guardian Weekend “Seus olhos se cruzam na sala lotada; o brilho da atração está lá. Você conversa, dança, ri, compartilha um drinque ou uma piada, e quando se dá conta um dos dois pergunta: ‘Na sua casa ou na minha?’ Nenhum dos dois está a fim de nada sério, mas de algum modo uma noite pode virar uma semana, depois um mês, ou ano ou mais”.
O amor pode durar enquanto os dois se amarem. Depois que um deixar de amar o outro, é a separação. Que sempre dói. Mas dói no que foi abandonado, que fica se remordendo: se o outro não me tivesse abandonado, que felizes seríamos!
Sofri muito por separações. O primeiro namorado fui eu que deixei, porque ele havia se tornado muito ciumento e me enchia o saco com suas cenas de ciúme. O segundo me largou porque eu não queria dar pra ele, e foi procurar uma moça que quisesse dar. Mas aí me apaixonei pelo homem casado. E, sim, pra ele dei.