Marina Manda Lembranças H avia, no Parque Lage, uma quadra de tênis que ninguém usava. Ninguém jogava tênis na mansão. Servia para esconder...
Marina Manda Lembranças
Lembrei-me disso porque minha fonoaudióloga fez uma excursão programada naquela gruta. Eu só fui xeretar, não havia excursões programadas na mansão, não se usava fazer isso.
Havia, na parte debaixo da mansão uma sala sempre trancada a chave, onde minha tia, cantora lírica famosíssima, guardava seus trajes teatrais. Achamos um empregado que quisesse colaborar abrindo a porta, e entramos naquela sala cheia de maravilhas. Havia um colete com fios de canutilhos verdes, eram berloques, mantos bordados, muitos vestidos. Meu irmão e eu, escolhemos uma peruca loura, com que se devia mostrar na casa de Petrópolis. Nada dos programas de TV, quando os atores aparecem de peruca loura e com bigodes ou cavanhaque.
Meu irmão era um garoto de onze anos, imberbe.
Era para se exibir no muro abaixo da mansão de Petrópolis, e no rinque de patinar.
Acabamos indo ao primeiro baile de carnaval. Com Henrique meu primo que já havia ido a outros carnavais ( com quem sou amiga há muitos anos), fomos os três de gigolôs e gigolette. Achei muito divertido o carnaval. Haveria de ir a outros carnavais em Friburgo, com minhas duas filhas e de Affonso, é claro, e minha sobrinha filha do meu irmão. Não achei muito divertidos, como havia sido o primeiro.
Volto da praia. Minha amiga mora numa casa na rua Joaquim Nabuco, onde jogávamos vôlei numa rede estendida entre uma grade e uma árvore. Depois cresceram os prédios, o primeiro que cresceu foi o que abrigava um bordel, nós as chamávamos de "meninas", depois a rua ficou tomada por prédios e não foi mais possível jogar vôlei.
Depois vai viver na rua Gorceix, já casada com o marido que tinha antes, com uma casa atulhada de coisas de cenário porque havia interpretado, como atriz, Plutf o Fantasminha, do diretor Romain Lesage. Meu pai havia, muitos anos antes interpretado a versão original, dirigido por Maria Clara Machado, no papel do Tio Gerúndio que entra e sai de um baú sempre estonteado. A primeira coisa que fez foi soldado, casou-se com minha mãe de uniforme, em campo militar, prestes a ir guerrear na África, mais exatamente na Etiópia. Foi empregado da Civilhidro. E quando foi demitido do emprego que tinha, tornou-se administrador de fazenda. Eu já contei isso, mas quando meu irmão, Arduino, filmava 'Fome de amor’, com Nelson Pereira dos Santos, dia de folga na filmagem, nada de interessante para fazer, Arduino sugeriu visitar a fazenda de meu pai, garantiu que Manfredo era um cara legal, sempre alegre, e que fará uma pasta para todos, haveria bebidas. A noite foi longa, e no dia seguinte tomados inteiramente pela paixão, Manfredo havia sido incorporado à equipe.
Tinha 65 anos e sua única experiência como ator havia sido na extrema juventude, como extra pelas óperas cantadas por sua tia Gabriella Besanzoni. Encantou-se imediatamente pela profissão.
E seguiu a carreira a pleno vapor, fazendo cinema, e muita televisão. Lembro quando apresentou no teatro a versão teatral de Dama das Camélias, levei minha filha Fabiana, então criança, para ver o avô interpretando o pai de Armand Duval.
Retorno à mansão. Quando cheguei, a primeira coisa que fiz (depois do lauto almoço com que nos receberam os parentes) foi abrir as janelas, no quarto que dividia com minha prima, que tinha viajado conosco, em parte para deixar os pais sozinhos curtindo o reencontro, em parte para me deixar abrir a janela (eu tinha 10 anos). O que aspirei foi um cheiro de mato úmido, eu disse então "Esse é o cheiro do Rio!". E desabei no sono profundo, que tantas horas de voar haviam providenciado.