Marina Manda Lembranças E squeci que tinha escrito numa crônica, mas fui ver o livro de memórias “Minha guerra alheia” e lá estava. Minha me...
Marina Manda Lembranças
Foi na guerra. Eu ia para Como com minha prima, mas quando viu os bombardeiros se aproximando: “Você vai para casa. Eu vou para Como”.
Eu via os soldados (sim, porque havia um destacamento de soldados à beira da montanha) se espantando como galinhas loucas e sabia que os bombardeiros não eram destinados para eles.
Meu pai nos havia ensinado, a meu irmão e eu, a distinguir um bombardeiro, de um caça. Havia um que tínhamos apelidado de Giggiotto que sempre voava na nossa casa de montanha mas nunca despertava a metralhadora que tinha para casos como esse.
Quando comecei a subir a escada, a terra tremeu sob meus pés. Eu sabia que algo grave estava acontecendo, mas precisei chegar em casa e ver, no colo da minha mãe, uma cidade envolta em chamas.
A Inteligência dos aliados havia descoberto que havia um depósito de combustível debaixo daquela cidade, pertencia ao Eixo, ou seja aos partidários de Mussolini e de Hitler.
Por isso menti, quando disse que só havia visto minha mãe depositar a aliança dela entre três mosquetes, diante da sede da Igreja principal de Como.
Eu ia à escola das Ursulinas, levada pelo meu irmão, que ia ele estudar nos Franciscanos, (curioso que no Rio fui estudar nas Ursulinas outra vez. Inclusive fiz minha primeira comunhão na capela do convento).
Meu pai era um gentleman de verdade. Quando, depois da guerra, o governo italiano indenizou os cidadãos que como ele haviam feito investimentos no Império atendendo às exortações do regime, nada aceitou pelos dois apartamentos de Asmara. “Não tripudio sobre a pátria ferida”, disse. E nunca mais tocou no assunto.
Quando foi, exatamente, que meu pai voltou da África? Não sei dizer. Abri os olhos uma manhã e ele estava lá. Não havia trazido minha boneca, que andava, disso tenho certeza. Não havia trazido minha boneca. Não havia trazido nada. Era uma sorte, disseram todos, que tivesse conseguido escapar. E nos alegramos.
Gostava tanto de guerra, que segunda ida militar à África, havendo já um número suficiente de oficial, preferiu renunciar à sua patente para poder voluntariar-se. Foi, como simples soldado.
No verão daquele ano, navios levando milhares de oficiais e soldados deixaram a Ítalia rumo a Mogadiscio na Somália, ou Massaua na Eritréia. Um deles levava meu pai.