Marina Manda Lembranças F ui conhecer Porto San Giorgio com Affonso e minhas filhas, que a esta altura, já eram adolescentes ou jovens mul...
Marina Manda Lembranças
Tudo mudado.
Já não era Cichó o dono do Hotel, havia mudado de proprietário. Pela idade que devia ter Cichó, na idade em que eu era criança, poderia ter morrido ou passado para o Al-di-lá.
Tudo completamente mudado. Já não íamos ver no banheiro, sórdido, os pentelhos que haviam crescido em nossas bocetas juvenis. Já não havia quarto da minha mãe, com cama listrada. Já não alugamos um quarto no fundo do espaço destinado à nossa família, desistindo de alugar o banheiro.
Já não íamos ver o avião na sala enfeitado de contas verdes. Nunca mais íamos ver eu e Arduíno pulando para grudar espinafre no teto.
Nunca mais veríamos as crateras vermelhas que haviam sido abertas por um destroyer aliado ancorado ao longo da costa.
Nunca mais veríamos a Lega Navale (o clube de toda a gente) destruída por um bombardeio.
Nunca mais veríamos o Hotel Vitória abandonado à própria sorte, ou vendido (mas descuidado como estava, era pouco provável que tivesse um comprador).
Minha amiga de infância (aquela que eu contava os pentelhos que haviam crescido) havia se feito e se casado e se mudado para outra cidade para ficar com a família do marido. Também os pais dela, quando éramos as duas crianças, deveriam ter passado a fazer companhia ao Todo Poderoso.
Nunca mais veria a pobre, cujo nome esqueci, que tinha as mãos manchadas de Varechina, que era um produto com o qual lavava os lençóis todos do Hotel. Nunca mais veríamos os patos do jardim, que limita-se a poucos bambus erguidos para estender a roupa toda de Hotel Porto San Giorgio.
Nunca mais ficaria ouvindo a Rádio Nacional de Londres, com medo que entrassem e me surpreendessem ouvindo Rádio Londres. Havia um enxame de gente ouvindo atrás das janelas fechadas, as fechamos por precaução. Assim mesmo, eu me escondia atrás da toalha da mesa redonda se alguém entrasse e me flagrasse ouvido uma rádio proibida.